|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livro mimetiza movimento de fluxo do mar
MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR-ADJUNTO DO MAIS!
Infectado pelo vírus da
Aids e moribundo em um
hospital em Dublin, Declan
deseja passar alguns dias na
casa em que mora a avó, à
beira-mar, e aí voltar a reunir sua família, destroçada
há mais de 20 anos pela morte do pai, vítima de câncer.
Declan e dois amigos fiéis
dão início no espaço exíguo
da casa a um processo de
purgação físico e simbólico,
em que vida e morte se tornarão dependentes.
Tendo como pano de fundo o marulhar das ondas, "A
Luz do Farol", de Colm Tóibín, busca mimetizar seu
movimento de fluxo e refluxo. Um movimento de destruição, em que o corpo
exausto de Declan é descrito
por meio da irrupção de vômitos, da ferida em seu nariz
alastrando-se inclemente
por uma das faces, da sonda
que lhe perfura as entranhas.
Mas será o próprio movimento de destruição do indivíduo que irá engendrar
seu oposto, o da regeneração
coletiva das relações familiares estremecidas. Por meio
desses dois ritmos antitéticos, mas complementares, a
doença avança sobre o corpo entregue e o desagrega,
criando as condições para
que as relações hostis entre
mãe e filha iniciem um doloroso processo de reabilitação. A incomunicabilidade
entre elas vai cedendo vez à
compreensão, enquanto o
corpo do filho míngua de
forma patética em direção à
incomunicabilidade.
Passado num país de tradição católica, o livro deixa
ecoar, em registro mais íntimo, uma releitura da Paixão
de Cristo, na qual o corpo é
simultaneamente o lugar de
sofrimento e redenção. Mas
trata-se de uma releitura
moderna, na qual a homossexualidade de Declan, que a
mãe insiste em ignorar, se
revela o exemplo mais bem-acabado da incapacidade em
compreender o outro.
É justamente a figura da
mãe que paradoxalmente liga esta obra a "Passeio ao Farol", de Virginia Woolf. Sua
figura mantém coeso o frágil
círculo de afetos e frustrações familiares (como faz
Woolf) ou que o desagrega
(como faz Tóibín).
Avesso a qualquer discurso empenhado e sem a pretensão de avançar os limites
do gênero, este é um romance de construção equilibrada, que aborda com mão delicada questões polêmicas
sem cair na militância.
A Luz do Farol
Autor: Colm Tóibín
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (280 págs.)
Texto Anterior: 2ª Flip: "Camaleão irlandês" se esgueira por Parati Próximo Texto: Angolano acha pátria no português Índice
|