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Angolano acha pátria no português
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
A frase do português Fernando
Pessoa cantada pelo brasileiro
Caetano Veloso é perfeita para o
angolano José Eduardo Agualusa:
"Minha pátria é minha língua".
Agualusa já escreveu um livro sobre Angola em Parati, um sobre o
Rio em Berlim, um sobre Goa em
Lisboa. Seu único porto seguro é a
língua portuguesa.
"Ela é maior do que os nossos
países. Eu percebo isso quando
viajo para lugares remotos e encontro alguém falando português:
um cara do Mato Grosso passa a
ser meu melhor amigo", diz
Agualusa, 43, por telefone, de
Luanda, a capital angolana. Ele
pratica a lusofonia sem gostar da
palavra. "Ela parece dizer respeito
somente aos portugueses. Não exprime a imensidade do mundo de
língua portuguesa."
Agualusa divide hoje com Caetano Veloso a mesa-redonda
"África e Brasil: Verdades Tropicais" na Flip. Caetano -ao lado
de Chico Buarque, Rubem Fonseca, Jorge Amado, Guimarães Rosa- está entre as grandes admirações brasileiras do angolano.
"[Dividir a mesa com Caetano]
É uma responsabilidade, dá medo. Será melhor se o público tiver
a possibilidade de fazer perguntas", anseia Agualusa, um dos
grandes autores africanos de língua portuguesa, ao lado do compatriota Pepetela e do moçambicano Mia Couto, entre outros.
Ele lerá um trecho de "O Vendedor de Passados", seu mais recente romance, o quinto a ser lançado
no Brasil pela Gryphus. O livro
tem como protagonista Félix
Ventura, um homem que oferece
genealogias a quem quer reinventar sua biografia. Uma trama criada para satirizar a rápida mudança de sistema econômico de Angola, onde, segundo ele, "as mesmas pessoas que eram marxistas
defendem hoje o capitalismo
mais selvagem".
"Surgiu de repente uma alta
burguesia, constituída em grande
medida de pessoas que fizeram
sua riqueza de forma não muito
lícita. Portanto estão à procura de
um passado mais nobre, aristocrata", diz Agualusa, ressaltando
que ex-líderes comunistas são hoje "alguns dos mais prósperos
empresários angolanos".
Nitidamente, Agualusa não é
um nostálgico do regime comunista, instituído em 1975 pelo grupo que liderou a guerra pela independência de Portugal. "Eu vivi
na época do partido único e não
recomendo a ninguém", diz. Mas
o incipiente capitalismo aprofundou, segundo ele, a distância entre
ricos e pobres e tornou a vida em
Luanda muito cara: ele paga US$
1.500 mensais de aluguel (cerca de
R$ 4.560).
Para o escritor, a situação atual
confirma a vocação para o absurdo que tem Angola. Daí surgiu a
trama de "O Vendedor de Passados" e o inerente desejo de homenagear Jorge Luis Borges, um de
seus ídolos e mestre na arte de esgrimir delírios. Na pele de uma
osga (lagartixa), o escritor argentino é usado como narrador do
romance.
"É uma lagartixa angolana, o
que não deveria ser do agrado do
Borges", brinca Agualusa, referindo-se ao conservadorismo do autor de "O Aleph". "Mas acho que
fui simpático. Fiz com que ele
reencarnasse entre livros. O inferno seria em algum lugar bem longe dos livros."
Esse descompromisso com a
verossimilhança, a fusão entre
imaginação e realidade, é uma das
marcas da obra de Agualusa. Por
exemplo: seu livro mais exportado, "Nação Crioula" (1997) -escrito em boa parte em Parati-,
tem como narrador Fradique
Mendes, um personagem de Eça
de Queiroz.
"Para quem está interessado em
encontrar a verdade, é melhor ler
Paulo Coelho. Nada contra, mas
ele vende seus livros dizendo: "Tenho o mapa do tesouro". Acho
que a grande literatura não tem
respostas", afirma.
Neto de carioca e filho de português, o escritor angolano viveu,
no final da década de 90, dois anos
e meio no Rio. "Foram os anos
mais felizes da minha vida. Eu daria um bom carioca", suspira.
Mas, até por gostar tanto da cidade, ele demonstra preocupação
com a situação das favelas, que
conheceu bem para escrever o romance "O Ano em que Zumbi Tomou o Rio" (2002).
"Se há alguma originalidade no
livro, não está em falar de uma
guerra nas favelas, mas de uma
guerra politizada, o que seria extremamente perigoso. Felizmente
ainda não apareceu nenhum Che
Guevara do tráfico", diz ele.
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