PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No cinema , a fábula é um caminho estético para se chegar muitas vezes a uma constatação mais aguda do mundo. Tim Burton é dos melhores exemplos, com suas metáforas políticas, assim como Wes Anderson e seus retratos afetuosos e existencialistas sobre o homem.
Mas nem tudo são louros, e daí temos o pior fabulista do momento, Jean-Pierre Jeunet, do pueril "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain". E afinados, como Shona Auerbach, de "Querido Frankie". Neste caso, mais pela visão de mundo ingênua, uma vez que a fábula não está propriamente nas imagens, que garantem um registro mais "realista", ainda que fotografia e luz queiram se fazer belas demais, acompanhadas por permanente música incidental.
A fábula está nas paredes do quarto do garoto Frankie (Jack McElhone), forradas de mapas náuticos, cartas do pai e navios em poses exemplares. Vive num mundo à parte, com suas crenças e fantasias. Menos culpa dele, uma vez que sua mãe, Lizzie (Emily Mortimer), foge do ex-marido há anos e mente ficcionalmente sobre seu paradeiro. O requinte está nas cartas que ela escreve como se fossem dele, que seria, em sua ficção, um marinheiro em eterna viagem transatlântica. Tudo isto para proteger o garoto, sensível e com problemas auditivos. Um material utilizado de forma sensacionalista, claro.
Daí que, nem tanto a mãe, o maior culpado do obscurantismo no qual Frankie vive é o próprio filme, que promove o escapismo lúdico ao pior estilo "Amélie Poulain". O contraponto a isso estaria em "Kes" (69), de Ken Loach, outro longa inglês no qual um menino também sofre com a implosão familiar. Mas aqui, não só a câmera mostra algo mais amplo (um mundo, o operário), como um garoto solitário que tem num falcão, ave que voa sobre largos horizontes, seu único porto seguro.

Querido Frankie
Dear Frankie
 
Produção: Inglaterra, 2004
Direção: Shona Auerbach
Com: Emily Mortimer, Jack McElhone
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco e circuito