|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Falta criatividade à TV", diz Faustão
Apresentador, que começou carreira com mais ousadia, define seu programa como um "supermercado" para todas as classes
Em entrevista à Folha, Fausto Silva critica proposta de classificação indicativa de
programas e afirma temer "censura"
João Caldas -18.abr.1986/Folha Imagem
|
|
Fausto Silva no 'Perdidos na Noite', na Bandeirantes, em 1986
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
Para o apresentador Fausto
Silva a televisão brasileira vive
um momento de pouca criatividade. "Falta ousar", diz ele, que
considera um erro tentar imitar o que a Globo faz.
Na posição de quem já apelou
para a "baixaria" em busca de
pontos de audiência, ele disse à
Folha que é contra a classificação indicativa proposta pelo
governo federal. Sua posição
assemelha-se à da Globo, que
faz restrições à medida.
"Eu tenho medo, pois esse é
um passo para virar censura",
avalia. Para ele cabe ao público
o papel de "censor", e não ao
governo. "Quem deve orientar
é a família", diz.
Na próxima quarta-feira, dia
11, o Ministério da Justiça, que
contesta a acusação de censura
(leia abaixo), anunciará o novo
padrão de classificação a ser
adotado no país.
Leia, a seguir, trechos da
conversa com a Folha, realizada nos bastidores do programa.
(MARCELO BARTOLOMEI)
CLASSIFICAÇÃO
INDICATIVA
Todos os programas que seguiram na baixaria acabaram. É
um assunto muito complicado
e do qual não estou tão por dentro como deveria, mas, num
país em que nem portão de garagem funciona direito, eu tenho medo, pois esse é um passo
para virar censura. Se aqui
Conselho de Ética não é nem
conselho, nem ética, imagine
fazendo isso.
Vivi a censura política e de
costumes. Tem que tomar cuidado porque eles dizem que começa como um conselho de
orientação, mas quem deve
orientar é a família. O público é
o maior "censor". É só ver:
quem decidiu por esse caminho
não está nem no ar. [O governo]
não tinha que se preocupar
com isso, tinha que se preocupar em dar o mínimo de oportunidade para todo mundo e
realmente investir na educação. Tem o país de primeiro
mundo, o de terceiro mundo, e
aqui é o do outro mundo.
PROGRAMA DE
AUDITÓRIO
Esse programa é um supermercado. O gênero é auditório,
mas ele já reuniu tanta gente
diferente e de nível. Jorge Amado, Tom Jobim e Paulo Freire
assistiam. Você atinge as classes A, B e C, mas também as D e
E. A gente está com quase mil
programas, e alguns não querem ver e não percebem que os
artistas falam de problemas sociais e de política. Qual o programa de variedade que faz isso? Quem trouxe o Betinho pela primeira vez para falar sobre
fome no país? O gênero é auditório, mas tem pequenos diferenciais. Domingo é um dia que
tem concorrência, e a gente está acostumado porque sempre
foi assim. Esse tipo de programa é um desafio: ele tem que
agradar a todo mundo, não é
segmentado. A gente também
tem que ser didático.
ESTILO
Como apresentador, eu sou
uma espécie de cicerone com
os convidados. Eu não preciso
mostrar que sou inteligente ou
culto, mas tenho que pensar na
pessoa que está lá no interior
do Ceará e que não sabe o que é
o efeito estufa. Admiro muito o
Chico Anysio, que é escada de
novos talentos com o professor
Raimundo. Sempre penso que
estou fazendo manual de eletrodoméstico. Não faço tipo,
procuro ser o mais sincero possível, do jeito que eu sou. As
pessoas reconhecem isso, dizem que eu brinco até com o
dono da Globo. O [jornalista]
Armando Nogueira falou uma
vez que o "Domingão" desmistificou um pouco aquela coisa
da Globo. Porque humanizou.
Esses quadros ["Dança dos Famosos", "Dança no Gelo" e
"Circo do Faustão"] também
humanizam, pois mostram que
os artistas conseguem superar
desafios, como qualquer um.
Minhas piadas são uma característica, prefiro brincar
com as coisas para chamar a
atenção. Prefiro dizer: "Isso
mesmo, destrua o orelhão, pegue o carro e dirija em alta velocidade e se estoure no poste".
Acho que tem mais efeito.
PERMANÊNCIA NA
GLOBO
Se revirar arquivo de jornais
e revistas, o que já me tiraram
da Globo e puseram amigos
meus no meu lugar... Programa
de auditório é uma das coisas
mais antigas da televisão e não
vai acabar nunca. Todo mundo
me fala que sente saudades do
"Perdidos na Noite". O bom é
sair na hora certa. O Pelé parou,
e todo mundo lembra dele sempre no auge. É importante parar deixando saudades. Aqui,
ainda tenho que continuar. Como eu disse antes, é um supermercado e tem que ficar aberto
e prosseguir.
ANÁLISE DA TELEVISÃO
Cada um tem que procurar o
seu caminho. Falta criatividade
na TV brasileira; falta ousar.
Não adianta querer imitar o
que a Globo faz. É preciso cada
um ter o seu. Às vezes, eles copiam os erros, e não os acertos.
Isso é receita de mãe, cada um
tem a sua. Para o telespectador,
quanto mais diversidade, melhor. Existe uma certa preguiça.
O "Perdidos" foi um exemplo. A
Hebe Camargo não tem o estilo
dela? Ela sobrevive em outros
canais. Aqui não tem regra, a
gente faz muita autocrítica até
descobrir o próprio caminho.
Eu tenho liberdade total. Na
história da Globo, ninguém teve tanta liberdade quanto eu tenho. Quando vim para cá, disseram que eu seria calado. Eu falo, mas não faço política partidária. Eu vivo da minha profissão. A televisão recebe da publicidade, e eu recebo da televisão.
Quem financia a baixaria é um
imbecil. Ninguém vai anunciar
em um programa que prega valores errados.
Texto Anterior: Na casa do Gordo Próximo Texto: Comentário: Apresentador deixou de lado anarquia Índice
|