São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Falta criatividade à TV", diz Faustão

Apresentador, que começou carreira com mais ousadia, define seu programa como um "supermercado" para todas as classes

Em entrevista à Folha, Fausto Silva critica proposta de classificação indicativa de programas e afirma temer "censura"

João Caldas -18.abr.1986/Folha Imagem
Fausto Silva no 'Perdidos na Noite', na Bandeirantes, em 1986

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

Para o apresentador Fausto Silva a televisão brasileira vive um momento de pouca criatividade. "Falta ousar", diz ele, que considera um erro tentar imitar o que a Globo faz.
Na posição de quem já apelou para a "baixaria" em busca de pontos de audiência, ele disse à Folha que é contra a classificação indicativa proposta pelo governo federal. Sua posição assemelha-se à da Globo, que faz restrições à medida.
"Eu tenho medo, pois esse é um passo para virar censura", avalia. Para ele cabe ao público o papel de "censor", e não ao governo. "Quem deve orientar é a família", diz.
Na próxima quarta-feira, dia 11, o Ministério da Justiça, que contesta a acusação de censura (leia abaixo), anunciará o novo padrão de classificação a ser adotado no país.
Leia, a seguir, trechos da conversa com a Folha, realizada nos bastidores do programa. (MARCELO BARTOLOMEI)
 

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA
Todos os programas que seguiram na baixaria acabaram. É um assunto muito complicado e do qual não estou tão por dentro como deveria, mas, num país em que nem portão de garagem funciona direito, eu tenho medo, pois esse é um passo para virar censura. Se aqui Conselho de Ética não é nem conselho, nem ética, imagine fazendo isso.
Vivi a censura política e de costumes. Tem que tomar cuidado porque eles dizem que começa como um conselho de orientação, mas quem deve orientar é a família. O público é o maior "censor". É só ver: quem decidiu por esse caminho não está nem no ar. [O governo] não tinha que se preocupar com isso, tinha que se preocupar em dar o mínimo de oportunidade para todo mundo e realmente investir na educação. Tem o país de primeiro mundo, o de terceiro mundo, e aqui é o do outro mundo.

PROGRAMA DE AUDITÓRIO
Esse programa é um supermercado. O gênero é auditório, mas ele já reuniu tanta gente diferente e de nível. Jorge Amado, Tom Jobim e Paulo Freire assistiam. Você atinge as classes A, B e C, mas também as D e E. A gente está com quase mil programas, e alguns não querem ver e não percebem que os artistas falam de problemas sociais e de política. Qual o programa de variedade que faz isso? Quem trouxe o Betinho pela primeira vez para falar sobre fome no país? O gênero é auditório, mas tem pequenos diferenciais. Domingo é um dia que tem concorrência, e a gente está acostumado porque sempre foi assim. Esse tipo de programa é um desafio: ele tem que agradar a todo mundo, não é segmentado. A gente também tem que ser didático.

ESTILO
Como apresentador, eu sou uma espécie de cicerone com os convidados. Eu não preciso mostrar que sou inteligente ou culto, mas tenho que pensar na pessoa que está lá no interior do Ceará e que não sabe o que é o efeito estufa. Admiro muito o Chico Anysio, que é escada de novos talentos com o professor Raimundo. Sempre penso que estou fazendo manual de eletrodoméstico. Não faço tipo, procuro ser o mais sincero possível, do jeito que eu sou. As pessoas reconhecem isso, dizem que eu brinco até com o dono da Globo. O [jornalista] Armando Nogueira falou uma vez que o "Domingão" desmistificou um pouco aquela coisa da Globo. Porque humanizou. Esses quadros ["Dança dos Famosos", "Dança no Gelo" e "Circo do Faustão"] também humanizam, pois mostram que os artistas conseguem superar desafios, como qualquer um.
Minhas piadas são uma característica, prefiro brincar com as coisas para chamar a atenção. Prefiro dizer: "Isso mesmo, destrua o orelhão, pegue o carro e dirija em alta velocidade e se estoure no poste". Acho que tem mais efeito.

PERMANÊNCIA NA GLOBO
Se revirar arquivo de jornais e revistas, o que já me tiraram da Globo e puseram amigos meus no meu lugar... Programa de auditório é uma das coisas mais antigas da televisão e não vai acabar nunca. Todo mundo me fala que sente saudades do "Perdidos na Noite". O bom é sair na hora certa. O Pelé parou, e todo mundo lembra dele sempre no auge. É importante parar deixando saudades. Aqui, ainda tenho que continuar. Como eu disse antes, é um supermercado e tem que ficar aberto e prosseguir.

ANÁLISE DA TELEVISÃO
Cada um tem que procurar o seu caminho. Falta criatividade na TV brasileira; falta ousar. Não adianta querer imitar o que a Globo faz. É preciso cada um ter o seu. Às vezes, eles copiam os erros, e não os acertos. Isso é receita de mãe, cada um tem a sua. Para o telespectador, quanto mais diversidade, melhor. Existe uma certa preguiça. O "Perdidos" foi um exemplo. A Hebe Camargo não tem o estilo dela? Ela sobrevive em outros canais. Aqui não tem regra, a gente faz muita autocrítica até descobrir o próprio caminho.
Eu tenho liberdade total. Na história da Globo, ninguém teve tanta liberdade quanto eu tenho. Quando vim para cá, disseram que eu seria calado. Eu falo, mas não faço política partidária. Eu vivo da minha profissão. A televisão recebe da publicidade, e eu recebo da televisão. Quem financia a baixaria é um imbecil. Ninguém vai anunciar em um programa que prega valores errados.


Texto Anterior: Na casa do Gordo
Próximo Texto: Comentário: Apresentador deixou de lado anarquia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.