MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

Muitos se perguntam de onde vieram as anomalias sexuais dos personagens de Nelson Rodrigues. Existe reprimida em cada um de nós uma dose razoável de sordidez trazida ao lume pelo extra-sensório do autor, ou tantas taras fazem parte apenas de um atropelo de símbolos?
Uma coisa é certa: antes dele, um outro escritor, João do Rio, explorava o mesmo terreno. Nelson não escondia que se inspirava no autor, que parecia radicalizar as anomalias de outro "pervertido" literário: Machado de Assis.
Estes nomes, Machado, João e Nelson, formam o tripé que amplia os segredos da alma carioca e do transtorno humano. Comparando-os, João do Rio é quase um anônimo para o grande público.
O diretor Marcus Alvisi pesquisou toda a obra de João do Rio e pensou em Diogo Vilela para atuar em um monólogo. Alvisi, que se parece com o autor, era tão convincente nos ensaios que ouviu do próprio Vilela: "Faça você mesmo". O resultado é um surpreendente espetáculo, "Dentro da Noite Duas Histórias de João do Rio", levado numa apertada livraria que parece um sebo, em que a platéia fica envolta pelo cheiro de livro velho e a passos do ator. As crônicas se encaixam como uma luva no gênero teatral porque ambas são narradas por contadores de histórias.
"Dentro da Noite" é a confissão de uma loucura. Rodolfo, noivo de uma bela mulher, vicia-se em perfurá-la com um alfinete. Até o pai da noiva descobrir tudo e expulsá-lo. Ele passa a perseguir mocinhas pelas ruas. Vive uma síndrome só aplacada quando enfia o alfinete na carne branca e delicada de uma delas.
"O Bebê de Tarlatana Rosa" é uma história sobre experiências radicais de Carnaval. Num jantar da elite carioca, ele conta o que de mais bizarro fez durante um Carnaval. Frequentou bailes em que estavam a escória, até conhecer uma garota com uma máscara de bebê, ficar obcecado por ela, procurá-la em todos os cantos, agarrá-la, enfim, até descobrir o porquê da máscara, numa cena digna da série de filmes "Pânico".