São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÔNICA BERGAMO

Lista de chamada

Ana Ottoni/Folha Imagem
É na biblioteca de sua casa que Yara Baumgart se prepara para os exames do mestrado, que vai prestar no fim do ano


Em junho, um ônibus com 24 mulheres saiu de São Paulo em direção a Campinas. No comboio viajavam socialites e algumas das mais ricas empresárias do país, como Claudia Safra e Silvia Rosset. Todas elas se tornaram adeptas de uma idéia que está se espalhando pela sociedade paulistana: voltar aos bancos escolares.

A viagem era o encerramento do semestre para a turma de alunas do Instituto Arte na Escola, chefiado por Evelyn Ioschspe e freqüentado majoritariamente por senhoras de sociedade. O passeio foi uma aula prática na coleção de arte de Beatriz Pimenta de Camargo, considerada uma das maiores do país.

A turma de empresárias foi uma das três que se formaram no último semestre na escola de Evelyn. Os cursos são concorridos. Normalmente só entra ali quem é indicado por outra aluna, e as 60 vagas se esgotam logo. As aulas acontecem uma vez por semana. Custam R$ 1.000 por semestre.

Durante o curso, as alunas também vão a lugares que não costumam freqüentar, como o centro histórico de São Paulo. "Visitamos uma capela barroca de ouro que fica fechada o tempo todo", lembra Beth Arbaitman, que já está no terceiro curso de arte.

"Se você não estuda, começa a aceitar milhões de programas sociais que não trazem nada", diz Yara Baumgart, entusiasta de primeira hora da volta às aulas, mas que optou por um curso universitário. Quando jovem chegou a estudar psicologia, mas saiu da faculdade antes de se formar. Voltou aos 52 e se formou em filosofia neste ano. "Preferi fazer algo por mim. Tem gente que perde tanto tempo no cabeleireiro...."

Foi durante um jantar, em conversa com o secretário da Educação, Gabriel Chalita, que Yara decidiu que deveria voltar às aulas. "Tinha acabado de ler "Sobre a Brevidade da Vida", de Sêneca, e vi que não era tarde para recomeçar", relata ela, que foi a quarta colocada no vestibular de filosofia na PUC-SP.

Ela já se prepara para um mestrado. Está em dúvida. Ética ou estética? "São áreas que têm tudo a ver com minha vida profissional", explica Yara, dona de uma clínica de saúde e beleza.

Outra que mudou de rotina foi a designer de jóias Adelina Silveira. No ano passado ela se matriculou no curso de direito da Unip (Universidade Paulista), mas teve problemas de saúde na família e perdeu muitas aulas. "Vi que ia bombar por falta e resolvi trancar". A volta acontece no próximo semestre.

Uma das lições que Adelina aprendeu nas aulas foi sobre Maquiavel. "As pessoas costumam achar que Maquiavel é do mal, mas para uma empresária como eu é muito útil: ensina a colocar as pessoas certas nos cargos certos", diz.

Quem também achou aplicações práticas para os ensinamentos da faculdade foi a designer de jóias Adelina Silveira, 58. Ela se matriculou em direito na Unip (Universidade Paulista) no ano passado e reformulou sua empresa depois de lições sobre Maquiavel. "As pessoas dizem que ele é do mal, mas Maquiavel ensina a colocar as pessoas certas no cargo certo", diz. "Troquei oito funcionários e o faturamento aumentou."

Como teve que cuidar de um familiar doente, Adelina perdeu muitas aulas no ano passado e trancou a matrícula. "Vi que ia bombar por falta e resolvi parar." A volta acontece amanhã. "Vou me formar mesmo", diz.

Há quem prefira aulas em casa, em grupos fechados. Alguns têm até fila de espera, como o de Karina Bitar, que recebe professora e 24 colegas uma vez por semana em sua casa. Reunidas na sala da lareira, discutem atualidades. Sempre em inglês. As lições custam R$ 120/mês e recomeçaram na quinta, 5, com uma discussão sobre as eleições nos EUA. Um dos tópicos foi o candidato a vice de John Kerry, John Edwards. "Ele é bonito, e isso vai trazer votos", aposta.

Cris Saddi também é adepta dos grupos fechados. Uma vez por semana encontra amigas como Rosângela Lyra, Michelle Nasser e Serpui Marie para aulas de conjuntura internacional. "A maioria dos maridos faz parte de um Brasil que hoje exporta e é importante estudar isso", explica ela, que também já teve aulas de história da arte.

Graduada em serviço social e psicologia, Carin Mofarrej, 52, voltou à escola em 2003 para uma pós-graduação em administração. "Achei que estava vazia. Tudo de glamour e bonito a gente teve, mas não dá pra viver só disso", afirma. "Tenho amigas que estudaram comigo e estão se aposentando. Eu me sinto meio ET perto delas."

Para fazer o curso, Carin teve que dar uma freada na vida social. Duas das noites que antes ocupava com jantares e eventos -às vezes dois no mesmo dia- passaram a ser dedicadas à escola. "Era duro, mas os amigos aprenderam a respeitar." E em 2005 tem mais: ela já se organiza para um curso sobre comércio internacional. "Na minha cabeça não existe esse conceito de que quem tem pai rico não precisa trabalhar."

Já Teresa Fittipaldi, 46, não sabe quando volta às aulas. Estudante de artes plásticas na Faap, trancou a matrícula no início deste ano para viajar. Aluna aplicada, teve uma obra selecionada para exposição na faculdade. Foi a escultura "Matrix", uma vagina, como ela descreve, de 1,80 m feita de tecido. "Dá até para fazer uma performance." Enquanto não retorna, pensa em novas versões da peça, em acrílico. "É a segunda vez que tranco. Não tenho pressa", diz.

@: bergamo@folhasp.com.br


Texto Anterior: Globo põe mais "mel" às 19h
Próximo Texto: Televisão: Mexicana "Amy" segue trilha de "Carrossel"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.