São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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CINEMA

Evento tem início amanhã com longas e documentários que situam as particularidades de ambientes e religiões

Choque de visões marca Festival Judaico

CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Marcado fortemente por questões como choque, memória e convivência, será inaugurado amanhã o 8º Festival de Cinema Judaico de São Paulo.
A programação do evento, que termina no dia 15 e está instalado em diferentes salas paulistanas, está dividida em quatro partes: filmes de ficção (entre filmes convidados e filmes em mostra competitiva), documentários (que também competirão), o ciclo "Dois Olhares, Um Desafio" e a retrospectiva do produtor alemão Artur Brauner (obras de realizadores conhecidos, como Andrezj Wajda, estão previstas). Há ainda um pacote de curtas de animação.
"A distância e a tolerância, incidindo não apenas no âmbito religioso, me parecem questões muito presentes nesses filmes", afirma Daniela Wasserstein, diretora artística do festival. "Não há aqui um cinema judaico para a comunidade, meio na linha de esses são "bons", e aqueles, "maus'; os filmes problematizam tanto a vida judaica quanto os conflitos atuais, de forma lúcida. Mostram também que todas as comunidades, inclusive a judaica, possuem suas particularidades, contradições."
Choque parece ser a senha para muitos dos filmes da programação. Não exatamente o físico, mas aquele entre visões, versões e percepções de mundo. O documentário "Atrás das Linhas Inimigas", do ciclo "Dois Olhares", percorre Jerusalém no compasso da tensa discussão entre dois amigos, um jornalista palestino e um chefe de polícia judeu especialista em táticas e em movimentos militares.
O projeto do documentário previa que cada um escolhesse pontos pertencentes ao seu ambiente religioso e cultural, para mostrar ao outro sua opinião sobre as coisas. Um momento emblemático ocorre quando os dois vão à casa do judeu, Benny, uma construção vistosa e espaçosa, vizinha de propriedades palestinas raquíticas. Essas propriedades estão separadas da casa de Benny por uma protetora e metálica cerca. Verbos acalorados surgem após o amigo conhecer a dinâmica paisagística daquela vizinhança.
Boa parte dos filmes de ficção tratam de outro tipo de choque, bastante atual no universo judaico: a tradição versus a "assimilação" e o desejo de rompimento com valores conservadores, sobretudo por parte dos jovens. Um exemplo é "Bit By Bit". Curiosamente, a tradição é lida no filme "Sociedade Cemitério" menos como uma força opressora e mais como chave libertadora.
"Embaixo d'Água" também sintetiza o choque nas entranhas da religião: em sua busca por identidade, uma menina, carente de amor paterno, se vê diante da distorção, manifestada nas vias filosófica e física, que se origina da figura do pai, ultraortodoxo.
A memória, como tema, também é visitada na via do choque. Em "Vozes de Dachau", destaca-se a imagem de um campo de golfe cercado por arame, provável resquício do campo de concentração que era aquele terreno décadas antes. Em "Gevatron", a memória surge como dispositivo de reflexão sobre conceitos como juventude e envelhecimento, exercício da arte e decadência física. Alguns poderão notar parentesco entre este filme e "Buena Vista Social Club", de Wim Wenders.
A perseguição aos judeus e o Holocausto não são temas dissociados do festival. "Passagem Secreta" tenta reconstituir a Inquisição. "Monsieur Batignole" se passa na França de 1942 e viaja o interior campestre do país rumo à fronteira com a Suíça, que abrigaria crianças judias fugitivas.
O filme "Um Mundo Quase Pacífico" também é contextualizado na França, porém poucos anos depois da guerra. Em foco, está uma alfaiataria e seu cotidiano. A obra, do veterano Michel Deville ("Dossier 51"), incorpora formalmente, além do sentimento de reconstrução, o alívio que se originou após o fim da guerra.


8º FESTIVAL DE CINEMA JUDAICO. Onde: Centro da Cultura Judaica (r. Oscar Freire, 2.500; tel. 0/xx/11/3065-4333; ing.: um quilo de alimento); Cinesesc (r. Augusta, 2.075; tel. 0/xx/11/ 3082-0213; ing.: grátis; retirar com antecedência); A Hebraica (r. Hungria, 1.000; tel. 0/xx/ 11/ 3818-8888; ing.: até R$ 5); MIS (av. Europa, 158; tel. 0/xx/11/3062-9197; ing.: grátis; retirar antes). Quando: de amanhã a 15/8.


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