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FESTIVAL DE VENEZA
"Árido Movie", de Lírio Ferreira, também é exibido à imprensa
Meirelles mostra no Lido seu suspense documental
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A VENEZA
O Brasil aparece em "O Jardineiro Fiel" -produção anglo-americana dirigida por Fernando Meirelles e selecionada para a disputa
pelo Leão de Ouro em Veneza-
num relance.
Numa rua de Nairóbi (Quênia)
tomada de gente, um garoto veste
a inconfundível camisa verde-amarela com o nome do país estampado na frente, enquanto jornais e TV anunciam o assassinado
de Tessa Quayle (Rachel Weisz),
mulher do diplomata Justin
Quayle (Ralph Fiennes) e ativista
de causas sociais na África.
"O Jardineiro Fiel" teve ontem
sessão reservada à imprensa no
festival. A exibição oficial do longa para o júri ocorre amanhã, na
presença de Meirelles e de seus
atores.
Já em cartaz nos EUA, o filme
acumula críticas positivas da imprensa norte-americana. É fácil
entender o motivo. Meirelles exibe neste seu primeiro longa depois do sucesso de "Cidade de
Deus" (2002) as credenciais do talento que chamou a atenção de
Hollywood e que lhe valeu uma
indicação para o Oscar de melhor
diretor.
Baseado no romance de espionagem homônimo do inglês John
Le Carré, "O Jardineiro Fiel" vai
do suspense ao tom documental
no paupérrimo Quênia sem jamais parecer artificial e com o
mérito de ter toques de originalidade.
Uma perseguição de carros, cena já clássica no cinema, é vista
aqui numa estrada de terra que levanta pó para além de onde a vista
alcança.
Nas cenas de intimidade do casal Justin e Tessa, Meirelles usa câmeras amadoras de registro caseiro. Por essas cenas, Fiennes chega
a ser creditado como um dos câmeras do filme.
Ha também as imagens tipicamente pouco nítidas de sistemas
de vigilância, em tomadas de um
dos aeroportos que Quayle percorre em sua cruzada para desvendar o lobby da indústria farmacêutica que resultou no assassinato de sua mulher.
Não faltam ao filme momentos
de vôo literalmente mais alto, em
tomadas aéreas de belíssimas paisagens africanas. Elas não são, porém, utilizadas à maneira dos cartões postais, mas para ressaltar as
sensações de impotência e pequenez do protagonista.
Em favor da agilidade da história, a adaptação do romance de Le
Carré suprimiu alguns personagens, reduziu outros e transformou certos episódios.
O primeiro encontro de Tessa e
Justin, por exemplo, que originalmente era um embate teórico sobre a legitimidade dos Estados,
adquiriu a concretude de um discurso apaixonado (dela) contra o
apoio do Reino Unido à Guerra
do Iraque. Nem por isso Meirelles
deixou de ser fiel ao espírito do livro de Le Carré.
Sertão
O Festival de Veneza também
assistiu ontem a "Árido Movie",
título brasileiro de Lírio Ferreira
("Baile Perfumado") que concorre na seção paralela Horizontes.
A platéia de jornalistas e críticos
recebeu com certa frieza o longa-metragem, apesar de suas muitas
qualidades. Também aqui, é fácil
entender a razão.
"Árido Movie" é uma espécie de
objeto estranho no cinema atual
-brasileiro sobretudo.
Ferreira retoma no novo filme
uma trilha sonora tributária da
escola mangue beat. Alterna diálogos coloquiais e interpretações
idem com poéticos momentos de
misticismo e devaneios. Filma o
sertão nordestino como uma paisagem ora libertária ora aprisionante -e sempre desafiadora.
É para lá que o jornalista Jonas
(Guilheme Weber), que havia deixado a região ainda em sua infância, retorna, quando se inteira do
assassinato de seu pai (Paulo César Pereio).
Com esse entrecho, "Árido Movie" discute se são atávicas as heranças pessoais de Jonas, como a
regra do "olho por olho, dente por
dente", e a eterna condenação do
Nordeste à seca e de seus habitantes ao êxodo.
O elenco, que tem Matheus
Nachtergaele, Selton Mello, Mariana Lima, Giulia Gam, José Dumont e José Celso Martinez Corrêa, entre outros, está afinado.
A montagem ajusta o tempo do
filme ao percurso de Jonas
-sempre em movimento, mas
com um ritmo que permita a descoberta, a reflexão e a sedimentação das idéias.
O roteirista de "Árido Movie",
Hilton Lacerda, o define como
um exemplar do cinema "fora dos
eixos". Pode estar correto. Mas é
certo também que, pelas lentes de
Ferreira, o sertão virou rocha,
num filme que se ergue e se impõe.
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