São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2007

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MoMA amplia acervo latino-americano

Curador do museu, Luiz Pérez-Oramas defende a saída de coleções para o exterior e fala sobre as aquisições no Brasil

A artista Mira Schendel terá retrospectiva em Nova York em 2009; em novembro, museu exibe aquisições recentes da América Latina

SILAS MARTÍ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

À frente do cargo -criado para ele- de curador de arte latino-americana no Museum of Modern Art (MoMA), de Nova York, o venezuelano Luiz Pérez-Oramas afirmou à Folha que fará no museu uma retrospectiva da artista brasileira Mira Schendel, ao lado de obras do argentino León Ferrari, em 2009. No mês que vem, o MoMA abre uma exposição com as principais aquisições de arte latino-americana realizadas nos últimos cinco anos, com obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica.
Sobre a discussão que sucedeu a venda, há sete meses, da coleção de Adolpho Leirner - uma das mais importantes de arte construtiva brasileira- para o Museum of Fine Arts de Houston, Oramas acrescenta um capítulo. À época, o circuito da arte se dividiu: houve quem apoiasse a venda, e outros protestaram contra a ida das obras para os EUA. Prestes a completar um ano à frente das aquisições do MoMA na América Latina, ele defende a saída das coleções para o exterior e reconhece que o mundo da arte tem os olhos voltados para cá.
Oramas acaba de organizar parte da Bienal do Mercosul, em cartaz até 18 de novembro em Porto Alegre, e falou à Folha, por telefone, de Caracas.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.  

FOLHA - Como se justifica o interesse atual pela arte latino-americana?
LUIZ PÉREZ-ORAMAS
- Isso se deve à diversidade cada vez maior de origem demográfica hispano-americana nos EUA, que afeta as instituições culturais e o meio universitário, que é a grande locomotiva da consciência cultural do país. Tenho a impressão de que voltamos a viver o que se viveu nos anos 40, quando artistas latinos tinham um acesso facilitado à cena internacional. Mas acho, no entanto, que há uma geração de artistas, dos anos 60 e 70, que foram ignorados pelos museus internacionais.

FOLHA - Por que foram ignorados?
ORAMAS
- A produção de artistas como Hélio Oiticica, Regina Silveira, Artur Barrio e Cildo Meireles não pôde ser analisada naquela época porque se impôs, nos EUA, a tirania estética da pop art. Houve uma imposição muito clara de um cânone estético que privilegiava as modalidades figurativas do pop.

FOLHA - Os museus estrangeiros estão tentando preencher essas lacunas nos acervos agora?
ORAMAS
- Posso falar sobre o caso do MoMA, onde decidimos criar um fundo específico para a aquisição de obras latino-americanas. Havia grandes lacunas na coleção no que diz respeito às linguagens abstratas geométricas, concretas e neoconcretas. Nós conseguimos adquirir um importantíssimo conjunto [dessa época], com obras de Lygia Clark, Hélio Oiticica, Aflredo Volpi, Willys de Castro e Waltercio Caldas.

FOLHA - O governo brasileiro, após a venda da coleção de Adolpho Leirner, estuda como impedir a saída de obras representativas do país. O que o sr. acha dessa iniciativa?
ORAMAS
- Não acho que seja uma boa medida. Não faz sentido que uma coleção importante como a de Adolpho Leirner fique numa casa privada no Brasil sem que o público possa vê-la porque as instituições brasileiras não tiveram interesse.
Sei que Leirner tentou vender a coleção no Brasil e não houve interesse. Não entendo, portanto, como podem fazer um escândalo. O ponto essencial é que as instituições têm de ser capazes de adquirir uma coleção como essa, sobretudo no Brasil, em que o mercado de arte movimenta cifras comparáveis às dos grandes centros.

FOLHA - Como lidar então com o risco de esvaziar os acervos locais?
ORAMAS
- A aquisição de uma coleção impõe uma responsabilidade. Se eu adquiro uma coleção fundamental da arte de um país, eu tenho de contribuir para que os cidadãos desse país tenham acesso às obras. Isso pode ser discutido.

FOLHA - Por que o sr. trouxe para a Bienal do Mercosul apenas artistas venezuelanos?
ORAMAS
- Nós latino-americanos nos conhecemos apenas através do filtro que nos projeta à ressonância internacional.
Para mim, é importante que os latino-americanos se confrontem com seus contemporâneos, na própria diversidade estética. Temos que evitar a deformação conceitual que implica usar uma lente de leitura alheia às propostas artísticas do nosso contexto.

FOLHA - Mas, ao defender a venda das coleções, o sr. não vai contra esse argumento?
ORAMAS
- Não, porque, ao mesmo tempo que defendo um conhecimento direto das cenas artísticas, estou favorecendo que elas tenham melhor representação internacional. Eu sou contra uma mediação que possa deformar o conteúdo original de nossa produção, mas acho que haverá maior conhecimento de uma obra quanto melhor for sua representação.


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