São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2007

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GUILHERME WISNIK

Do petróleo ao resort


Emirados Árabes Unidos representam apoteose dos valores neoliberais associada ao despotismo do Oriente

O ORIENTE Médio, como se sabe, representa o maior foco de resistência à dominação ocidental do mundo. Não por acaso, está no centro do conflito geopolítico contemporâneo. No entanto, em pleno Golfo Pérsico, desenvolve-se em ritmo frenético um conjunto de cidades-estado que compõem os chamados Emirados Árabes Unidos: oásis ultra-ocidentalizados que vêm se tornando o principal destino turístico de luxo do mundo. São "ilhotes de prosperidade" em um oceano de tormentas, como diz o editorial da revista espanhola "Arquitectura Viva", que dedica seu último número ao tema.
Com uma das rendas per capita mais altas do mundo (US$ 46 mil por ano), o emirado de Abu Dhabi, por exemplo, responde por 9% das reservas mundiais de petróleo e ancora sua urbanização em espetaculares museus-franquia, tais como o Guggenheim e o Louvre, com projetos dos arquitetos Frank O. Gehry, Zaha Hadid, Jean Nouvel e Tadao Ando. Dubai também apresenta situação semelhante e atualmente reforma seu aeroporto para receber 120 milhões de passageiros ao ano, representando o segundo maior "boom" imobiliário do planeta, só abaixo de Xangai, que tem dez vezes a sua população. Governada por um príncipe extravagante, constrói o edifício mais alto do planeta (Burj Dubai, com 808 metros), a maior pista de esqui artificial jamais vista e diversos parques temáticos em ilhas artificiais em forma de palmeiras, mapas-múndi e outras figuras.
Mas como um local tão castigado pelo calor e assolado por freqüentes tempestades de areia pode se tornar pólo de atração turística? Absolutamente fabricadas pelo dinheiro e pelo marketing, essas cidades-resort contam com uma localização geográfica favorável: estão, por exemplo, num ponto médio entre Moscou e Nova Déli, ou entre Londres e Pequim. Com uma companhia aérea eficiente, impostos amenos, segurança garantida e uma relativa permissividade em relação a álcool e drogas, os Emirados Árabes inventaram um novo centro de convergência mundial, nublando a antiga separação entre Ocidente e Oriente.
Aprendendo com Singapura e Hong Kong, essas cidades-estado se tornaram estados-empresa. E, conscientes de que as reservas de petróleo vão se esgotar, passaram a investir em valor "perene": o turismo de luxo, fomentando as indústrias imobiliária e de consumo de alto padrão. Contudo, há ainda uma outra explicação para o sucesso desses enclaves em uma região conflituosa: a mão-de-obra semi-escrava.
Os Emirados Árabes representam a apoteose dos valores neoliberais potencializados pelo despotismo oriental, pois desenvolveram o sistema mais "avançado" do mundo em matéria de privação dos direitos trabalhistas. Em situação extremamente frágil, levas de imigrantes paquistaneses, afegãos, palestinos e iraquianos têm seus passaportes confiscados logo na entrada do país, podendo ser imediatamente deportados ao menor sinal de sublevação. Conseqüentemente, cumprem jornadas de trabalho massacrantes e moram em cativeiros piores que os da Babilônia.


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