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cinema
CRÍTICA COMÉDIA
Argentino capta com maestria pequenas tensões, afeto e distância entre irmãos
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
No cinema de Daniel Burman, os afetos movem-se
suavemente. Mas seus efeitos são fortes como um tremor de terra. A arte do argentino consiste, assim, em refazer, no espaço de 90 ou cem
minutos, longos caminhos,
em buscar sinais de antigos
rancores, em costurar pequenos equívocos de que resultam grandes dores.
Disso pode resultar, por
exemplo, o caminho de um
filho em busca do pai. Ou como neste "Dois Irmãos", que
começa numa reunião de
condomínio. Podemos imaginar que tudo se passará em
torno de um edifício (como
na galeria de "O Abraço Partido"), mas é um engano. Serve apenas para mostrar a personalidade exuberante (ou
seja, um nada abaixo do ridículo) de Susana.
Logo depois somos apresentados a Marcos, seu irmão
mais velho, envolvido com o
velório da mãe. Ele cuida de
tudo, só não avisa os familiares, esperando que a irmã o
faça. Esta responde apenas:
"Será um fracasso".
Marcos é puro afeto. Susana, pura afetação. Ele só age
em função da mãe. Ela é quase uma vigarista. Por conta
de uma casa que se comprometeu a comprar no Uruguai,
para onde empurra o irmão.
Se no início ele sente a mudança como um exílio, pouco
depois se dá conta de que a
distância de Susana carrega
para ele a hipótese da felicidade, ou, melhor ainda, de
um encontro consigo mesmo. Esse sexagenário parece
enfim se encontrar.
Enquanto isso, Susana
borboleteia por Buenos Aires
bem à sua maneira: rouba a
correspondência do vizinho,
invade coquetéis para os
quais não foi convidada, distribui seus cartões a torto e a
direito. Pode-se pensar o que
quiser dela: é uma personagem tão divertida quanto incapaz de ver a si mesma.
Mas, em sua cegueira, ela
acredita controlar o mundo,
ou, ao menos, o irmão. Essa é
a tensão que vai se desenvolver ao longo da comédia dramática, cujos méritos consistem, essencialmente, no desenvolvimento apropriado
das personalidades dos irmãos, de suas diferenças e
proximidades, intimidade e
estranhamento. Nessas pequenas coisas, Burman é
mestre, inclusive por ser capaz de discernir o quanto
elas podem ser grandes.
É desses prazeres que se
faz esse cinema, talvez não
tão original quanto o de Lucrecia Martel, com certeza
mais interessante que o de
Juan José Campanella (ganhador do Oscar) e muito
mais preocupado com a exatidão do que com o brilho.
DOIS IRMÃOS
DIREÇÃO Daniel Burman
PRODUÇÃO Argentina, 2010
COM Antonio Gasalla, Graciela
Borges e Elena Lucena
ONDE nos cines Belas Artes, Frei
Caneca, Lumière Playarte e
Reserva Cultural
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO bom
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