São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2010

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cinema

CRÍTICA COMÉDIA

Argentino capta com maestria pequenas tensões, afeto e distância entre irmãos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

No cinema de Daniel Burman, os afetos movem-se suavemente. Mas seus efeitos são fortes como um tremor de terra. A arte do argentino consiste, assim, em refazer, no espaço de 90 ou cem minutos, longos caminhos, em buscar sinais de antigos rancores, em costurar pequenos equívocos de que resultam grandes dores. Disso pode resultar, por exemplo, o caminho de um filho em busca do pai. Ou como neste "Dois Irmãos", que começa numa reunião de condomínio. Podemos imaginar que tudo se passará em torno de um edifício (como na galeria de "O Abraço Partido"), mas é um engano. Serve apenas para mostrar a personalidade exuberante (ou seja, um nada abaixo do ridículo) de Susana.
Logo depois somos apresentados a Marcos, seu irmão mais velho, envolvido com o velório da mãe. Ele cuida de tudo, só não avisa os familiares, esperando que a irmã o faça. Esta responde apenas: "Será um fracasso".
Marcos é puro afeto. Susana, pura afetação. Ele só age em função da mãe. Ela é quase uma vigarista. Por conta de uma casa que se comprometeu a comprar no Uruguai, para onde empurra o irmão.
Se no início ele sente a mudança como um exílio, pouco depois se dá conta de que a distância de Susana carrega para ele a hipótese da felicidade, ou, melhor ainda, de um encontro consigo mesmo. Esse sexagenário parece enfim se encontrar.
Enquanto isso, Susana borboleteia por Buenos Aires bem à sua maneira: rouba a correspondência do vizinho, invade coquetéis para os quais não foi convidada, distribui seus cartões a torto e a direito. Pode-se pensar o que quiser dela: é uma personagem tão divertida quanto incapaz de ver a si mesma.
Mas, em sua cegueira, ela acredita controlar o mundo, ou, ao menos, o irmão. Essa é a tensão que vai se desenvolver ao longo da comédia dramática, cujos méritos consistem, essencialmente, no desenvolvimento apropriado das personalidades dos irmãos, de suas diferenças e proximidades, intimidade e estranhamento. Nessas pequenas coisas, Burman é mestre, inclusive por ser capaz de discernir o quanto elas podem ser grandes.
É desses prazeres que se faz esse cinema, talvez não tão original quanto o de Lucrecia Martel, com certeza mais interessante que o de Juan José Campanella (ganhador do Oscar) e muito mais preocupado com a exatidão do que com o brilho.

DOIS IRMÃOS

DIREÇÃO Daniel Burman
PRODUÇÃO Argentina, 2010
COM Antonio Gasalla, Graciela Borges e Elena Lucena
ONDE nos cines Belas Artes, Frei Caneca, Lumière Playarte e Reserva Cultural
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO bom


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