São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2010

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OPINIÃO

Pensamento político de Llosa está de acordo com romances

JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA

Mario Vargas Llosa é uma ave rara. Não apenas na América Latina. Mas na tradição "politicamente correta" da Academia Sueca.
Por isso espanta que o Nobel da Literatura tenha sido entregue a um "liberal clássico", que partilha com os intelectuais europeus do século 19 duas características fundamentais.
A primeira é a ideia do romance como "totalidade social": deve servir como espelho da sociedade, mesmo nos aspectos mais anedóticos.
Mas existe uma dimensão política que Vargas Llosa foi buscar em seu herói Isaiah Berlin (1909-1997), a quem homenageia num ensaio: a liberdade que interessa preservar é esse espaço de não interferência em que ajo sem coação de um poder político abusivo ou ditatorial.
Vargas Llosa sempre aderiu a esse programa e, nesse sentido, não existe uma separação entre o Llosa escritor e o Llosa político. Ambos formam o mesmo humanista.
Quando, em 1987, Vargas Llosa chefiava os protestos contra as tentativas de Alan García de nacionalizar o sistema financeiro do Perú, ou quando, três anos depois, concorria para a Presidência contra Alberto Fujimori, a atitude dele, na defesa da livre iniciativa e contra a tradição "patrimonialista" latino-americana, estava em perfeita sintonia com a mensagem "liberal" dos seus romances.
Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria recuar a "A Festa do Bode" -retrato desapiedado da ditadura de Trujillo na República Dominicana- ou mesmo à recriação da Campanha de Canudos em "A Guerra do Fim do Mundo", um verdadeiro tratado sobre a natureza do milenarismo em política e suas desastrosas consequências.
Nessas duas obras, revela-se a central preocupação antiutópica de Vargas Llosa: o abuso, a violência e o crime nascem sempre do fanatismo ideológico; da crença venenosa de que existe "um paraíso na outra esquina" capaz de redimir os males da nossa condição terrena.


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