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OPINIÃO
Pensamento político de Llosa está de acordo com romances
JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA
Mario Vargas Llosa é uma
ave rara. Não apenas na
América Latina. Mas na tradição "politicamente correta"
da Academia Sueca.
Por isso espanta que o Nobel da Literatura tenha sido
entregue a um "liberal clássico", que partilha com os intelectuais europeus do século
19 duas características fundamentais.
A primeira é a ideia do romance como "totalidade social": deve servir como espelho da sociedade, mesmo nos
aspectos mais anedóticos.
Mas existe uma dimensão
política que Vargas Llosa foi
buscar em seu herói Isaiah
Berlin (1909-1997), a quem
homenageia num ensaio: a
liberdade que interessa preservar é esse espaço de não
interferência em que ajo sem
coação de um poder político
abusivo ou ditatorial.
Vargas Llosa sempre aderiu a esse programa e, nesse
sentido, não existe uma separação entre o Llosa escritor
e o Llosa político. Ambos formam o mesmo humanista.
Quando, em 1987, Vargas
Llosa chefiava os protestos
contra as tentativas de Alan
García de nacionalizar o sistema financeiro do Perú, ou
quando, três anos depois,
concorria para a Presidência
contra Alberto Fujimori, a
atitude dele, na defesa da livre iniciativa e contra a tradição "patrimonialista" latino-americana, estava em perfeita sintonia com a mensagem
"liberal" dos seus romances.
Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria recuar a "A Festa
do Bode" -retrato desapiedado da ditadura de Trujillo
na República Dominicana-
ou mesmo à recriação da
Campanha de Canudos em
"A Guerra do Fim do Mundo", um verdadeiro tratado
sobre a natureza do milenarismo em política e suas desastrosas consequências.
Nessas duas obras, revela-se a central preocupação antiutópica de Vargas Llosa: o
abuso, a violência e o crime
nascem sempre do fanatismo
ideológico; da crença venenosa de que existe "um paraíso na outra esquina" capaz de redimir os males da
nossa condição terrena.
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