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São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2003

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LITERATURA

Escritor lança seus "Melhores Poemas", elogia geração de 60 e diz que morte de Haroldo de Campos "não muda nada"

Ivan Junqueira dialoga com a tradição

MÁRVIO DOS ANJOS
DA REDAÇÃO

Ivan Junqueira, 71, é um homem sem pressa. "Tenho 25 poemas inéditos, mas não sei se vou publicá-los no ano que vem", diz o poeta, para quem os poemas devem ser trabalhados com calma.
Cita o caso da primeira das suas "Três Meditações na Corda Lírica". "Os dez primeiros versos me saíram de chofre, em 1968, mas o poema só me voltou dez anos depois. Só escrevo quando a poesia quer", afirma à Folha, por telefone, da sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio, da qual é membro e secretário-geral.
Os grandes momentos da vontade da poesia estão reunidos agora pela Global na série "Melhores Poemas", lançamento quase simultâneo à reedição de outra antologia, "Testamento de Pasárgada", organizada por Junqueira, da obra de Manuel Bandeira (1886-1968). Mas o poeta não vê nas antologias uma chance de popularizar a poesia.
"Um poeta best-seller é uma contradição em termos. Existe um interesse por poesia, mas é óbvio que, se for comparado aos números da população, o resultado é ridículo. Mas acho que o tamanho da poesia é esse mesmo, os poetas não têm que ficar se queixando. A poesia é, de certa forma, elitista", afirma.
Isso não o impede, no entanto, de continuar a trabalhar em nome da sua e da de outros. Está organizando a obra completa do brasileiro Dante Milano (1899-1991), com poesia, prosa e as traduções dele para Dante, Charles Baudelaire e Stéphane Mallarmé.
No ano que vem, quando assumirá a presidência da Academia Brasileira de Letras, o poeta verá suas traduções da obra completa do inglês T.S. Eliot (1888-1965) finalmente publicadas, culminando "uma trabalheira infernal".
"Acho que todo autor deveria ser tradutor por um tempo e prestar esse serviço à língua, principalmente numa nação onde a maioria é monoglota. Parei de traduzir nos anos 80, porque já dei minha contribuição", afirma.
Um serviço, diga-se, muito bem prestado. Junqueira é responsável por traduções consagradas das obras completas de Baudelaire e do galês Dylan Thomas.
Do contato constante com os clássicos, Junqueira extraiu a sua poesia, o que chama de "técnica do palimpsesto". Isso seria um diálogo do autor com aqueles que o precedem, argumentando por meio de seu trabalho.
"Ninguém hoje está criando nada de novo. Estamos apenas meditando sobre aquilo que já foi produzido", afirma. "Esse diálogo com a tradição foi esquecido a partir do afã do romantismo (século 19), que tinha por ideal a busca da originalidade, até que Eliot retomou esse diálogo."

Panorama atual
A quem estranha esse ponto de partida, o poeta defende a técnica com naturalidade. "Ninguém é bom poeta se não for bom leitor e, num país como o nosso, de tradição fraca, esse diálogo com ela se torna ainda mais necessário."
Sobre um panorama da poesia brasileira atual, Junqueira diz que ela está bem representada pelo auge da geração de 60, da qual faz parte. "Carlos Nejar, Alberto da Cunha Melo, Mauro Gama e toda essa geração estão fazendo sua melhor poesia agora", diz, além de elogiar nomes recentes, como Alexei Bueno, Carlito Azevedo e Geraldo Carneiro, entre outros de uma grande lista.
E o que muda no cenário após a morte do concretista Haroldo de Campos (1929-2003)? "Não muda nada", afirma, categórico. "Acho [os irmãos] Haroldo e Augusto intelectuais notáveis e tradutores notabilíssimos, mas não consigo ler a poesia que eles fizeram."
Nos hoje candidatos a poetas, Junqueira vê a falta de uma formação mais consistente e a ausência do hábito de admirar. "Não se extrai poesia do nada. Hoje todo mundo é gênio, sem suor, sem lágrimas, é impressionante."

Glória e miséria
No seu caso, o poeta afirma, sem falsa modéstia, se orgulhar de sua formação, que lhe permitiu estrear com segurança na poesia, aos 30 anos, com "Os Mortos".
Ali, em 1964, já se percebem temas que ecoam hoje nos oito inéditos incluídos entre seus "Melhores Poemas": a morte, a finitude e a descrença, buscando a atemporalidade, costurados numa túnica formal, que considera indispensável para tocar o leitor.
Sobre os temas, a obra dá uma pista do seu criador, como Junqueira afirma sobre si mesmo:
"O homem Ivan Junqueira é um ser precário, efêmero, que perdeu o consolo da fé há muito tempo. Por isso, meus temas serão sempre a precariedade, a glória e a miséria da condição humana."


MELHORES POEMAS. De: Ivan Junqueira. Organizador: Ricardo Thomé. Editora: Global. Preço: R$ 35 (253 págs.).


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