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LITERATURA
Escritor lança seus "Melhores Poemas", elogia geração de 60 e diz que morte de Haroldo de Campos "não muda nada"
Ivan Junqueira dialoga com a tradição
MÁRVIO DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Ivan Junqueira, 71, é um homem sem pressa. "Tenho 25 poemas inéditos, mas não sei se vou
publicá-los no ano que vem", diz
o poeta, para quem os poemas devem ser trabalhados com calma.
Cita o caso da primeira das suas
"Três Meditações na Corda Lírica". "Os dez primeiros versos me
saíram de chofre, em 1968, mas o
poema só me voltou dez anos depois. Só escrevo quando a poesia
quer", afirma à Folha, por telefone, da sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio, da qual é
membro e secretário-geral.
Os grandes momentos da vontade da poesia estão reunidos
agora pela Global na série "Melhores Poemas", lançamento quase simultâneo à reedição de outra
antologia, "Testamento de Pasárgada", organizada por Junqueira,
da obra de Manuel Bandeira
(1886-1968). Mas o poeta não vê
nas antologias uma chance de popularizar a poesia.
"Um poeta best-seller é uma
contradição em termos. Existe
um interesse por poesia, mas é
óbvio que, se for comparado aos
números da população, o resultado é ridículo. Mas acho que o tamanho da poesia é esse mesmo,
os poetas não têm que ficar se
queixando. A poesia é, de certa
forma, elitista", afirma.
Isso não o impede, no entanto,
de continuar a trabalhar em nome
da sua e da de outros. Está organizando a obra completa do brasileiro Dante Milano (1899-1991),
com poesia, prosa e as traduções
dele para Dante, Charles Baudelaire e Stéphane Mallarmé.
No ano que vem, quando assumirá a presidência da Academia
Brasileira de Letras, o poeta verá
suas traduções da obra completa
do inglês T.S. Eliot (1888-1965) finalmente publicadas, culminando "uma trabalheira infernal".
"Acho que todo autor deveria
ser tradutor por um tempo e prestar esse serviço à língua, principalmente numa nação onde a
maioria é monoglota. Parei de traduzir nos anos 80, porque já dei
minha contribuição", afirma.
Um serviço, diga-se, muito bem
prestado. Junqueira é responsável
por traduções consagradas das
obras completas de Baudelaire e
do galês Dylan Thomas.
Do contato constante com os
clássicos, Junqueira extraiu a sua
poesia, o que chama de "técnica
do palimpsesto". Isso seria um
diálogo do autor com aqueles que
o precedem, argumentando por
meio de seu trabalho.
"Ninguém hoje está criando nada de novo. Estamos apenas meditando sobre aquilo que já foi
produzido", afirma. "Esse diálogo
com a tradição foi esquecido a
partir do afã do romantismo (século 19), que tinha por ideal a busca da originalidade, até que Eliot
retomou esse diálogo."
Panorama atual
A quem estranha esse ponto de
partida, o poeta defende a técnica
com naturalidade. "Ninguém é
bom poeta se não for bom leitor e,
num país como o nosso, de tradição fraca, esse diálogo com ela se
torna ainda mais necessário."
Sobre um panorama da poesia
brasileira atual, Junqueira diz que
ela está bem representada pelo
auge da geração de 60, da qual faz
parte. "Carlos Nejar, Alberto da
Cunha Melo, Mauro Gama e toda
essa geração estão fazendo sua
melhor poesia agora", diz, além
de elogiar nomes recentes, como
Alexei Bueno, Carlito Azevedo e
Geraldo Carneiro, entre outros de
uma grande lista.
E o que muda no cenário após a
morte do concretista Haroldo de
Campos (1929-2003)? "Não muda
nada", afirma, categórico. "Acho
[os irmãos] Haroldo e Augusto
intelectuais notáveis e tradutores
notabilíssimos, mas não consigo
ler a poesia que eles fizeram."
Nos hoje candidatos a poetas,
Junqueira vê a falta de uma formação mais consistente e a ausência do hábito de admirar. "Não se
extrai poesia do nada. Hoje todo
mundo é gênio, sem suor, sem lágrimas, é impressionante."
Glória e miséria
No seu caso, o poeta afirma, sem
falsa modéstia, se orgulhar de sua
formação, que lhe permitiu estrear com segurança na poesia,
aos 30 anos, com "Os Mortos".
Ali, em 1964, já se percebem temas que ecoam hoje nos oito inéditos incluídos entre seus "Melhores Poemas": a morte, a finitude e a descrença, buscando a
atemporalidade, costurados numa túnica formal, que considera
indispensável para tocar o leitor.
Sobre os temas, a obra dá uma
pista do seu criador, como Junqueira afirma sobre si mesmo:
"O homem Ivan Junqueira é um
ser precário, efêmero, que perdeu
o consolo da fé há muito tempo.
Por isso, meus temas serão sempre a precariedade, a glória e a miséria da condição humana."
MELHORES POEMAS. De: Ivan
Junqueira. Organizador: Ricardo Thomé.
Editora: Global. Preço: R$ 35 (253 págs.).
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