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Comida
Em extinção
Catálogo elenca produtos gastronômicos ameaçados de desaparecer; sete ingredientes brasileiros estão em projeto para proteção
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando Noé construiu sua
arca, protegeu do dilúvio casais
de animais. Fosse hoje, talvez o
personagem bíblico incluísse
também alimentos tradicionais
ameaçados de extinção. E eles
não seriam poucos, conforme
revela um catálogo mundial feito pela associação Slow Food
que identifica e divulga produtos em risco de desaparecer.
Dos mais de 750 produtos listados na Arca do Gosto -uma
alusão à embarcação de Noé-,
23 são do Brasil, entre eles o feijão canapu, o babaçu, o pirarucu e a castanha-de-baru.
"A Arca reúne produtos de
pequenos agricultores, extrativistas e indígenas", diz Roberta
de Sá, coordenadora dos projetos do Slow Food no Brasil. "Para entrar na lista, o produto deve ter excelência gastronômica,
ser ligado à história da comunidade, ter produção artesanal
com ênfase na sustentabilidade
e estar em risco de extinção."
A ameaça de desaparecimento, segundo Roberta, pode ser
justificada de inúmeras maneiras, como a perda da tradição
do modo de fazer -caso da
marmelada de Santa Luzia-,
ou pela localização do alimento
em uma área devastada.
A partir do catálogo, a fundação, que prega a combinação do
prazer à alimentação consciente e responsável, partiu para a
captação de recursos financeiros para bancar as Fortalezas,
projetos que visam a melhoria
da qualidade dos produtos
ameaçados. No Brasil, elas são
sete e muitas
participaram no último mês,
em Brasília, do Terra Madre
Brasil, um encontro nacional
de ecogastronomia.
Não existe um padrão para as
Fortalezas. As iniciativas variam de acordo com a realidade
e as necessidades de cada comunidade, mas objetivam: 1)
promover os produtos artesanais; 2) criar padrões de produção; 3) e garantir a viabilidade
futura dos produtos.
Na Fortaleza do palmito-juçara, planta nativa da mata
Atlântica que há 12 anos está
sendo plantada pelos guaranis
da aldeia Ribeirão Silveira (litoral norte de São Paulo), a próxima etapa é conseguir um selo
que permita aos índios comercializarem o caule comestível.
"Estamos inventariando as
palmeiras nativas para criar
um plano de manejo, provar
que somos produtores e conseguirmos a autorização para
vendê-lo", diz o cacique Adolfo
Timótio Verá Mirim.
Na Fortaleza do umbu, que
reúne os municípios baianos de
Uauá, Curaçá e Canudos, por
exemplo, foram construídas
minifábricas onde o fruto é
transformado em doces, geléia
e polpa pasteurizada. Da produção total, 55% é destinada à
merenda de escolas do sertão
do Estado, 30% vai para países
como França e Áustria, 10% é
vendida em feiras e exposições
e 5% fica no mercado regional.
"É mais fácil exportar que
vender aqui dentro", diz Jussara Dantas de Souza, da Fortaleza do Umbu. "Lá fora, a Associação Comércio Justo deposita 50% do valor antes de começarmos a produção. Aqui, você
investe, entrega o produto e só
recebe 60 dias depois."
Mas, para quem acredita que,
para preservar, é preciso fazer a
população conhecer os produtos, ainda há um importante
passo a ser dado, que é o da distribuição dentro do Brasil. Como se faz hoje para comprar os
produtos da Arca? "Há realmente uma dificuldade muito
grande que é a parte do transporte. [A distribuição] É o nosso maior desafio", diz Roberta.
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