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Diretor filma a sociedade ferida de um país sem sala de cinema
"Um Homem que Grita", de Mahamat-Saleh Haroun, marcou o retorno da África a Cannes
Longa que estreia no país em 19/11 conta a história de um nadador que perde o emprego na piscina de um hotel
Joel Silva/Folhapress
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Mahamat-Saleh Haroun, diretor de "Um Homem que Grita", na av. Paulista, em São Paulo
ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO
No Chade não há nem mar
nem cinema. Pois foi nesse
canto do mundo que Mahamat-Saleh Haroun, que filmou a paixão de um homem
pela água e ganhou o prêmio
do júri no último Festival de
Cannes, nasceu.
"Um Homem que Grita",
que estreia no Brasil no próximo dia 19, marcou o retorno do cinema africano a Cannes após mais de uma década de ausência e fez de Haroun um herói.
Exilado em Paris, o cineasta, depois do prêmio, foi chamado pelo governo do Chade
para uma conversa. O presidente do país criou um fundo
público para financiar produções cinematográficas e
quer que Haroun participe da
criação de uma escola de cinema no Chade.
"Fui recebido como um
chefe de Estado. Desfilei em
carro aberto e tudo", diz. "Diziam que tínhamos ganho a
Copa do Mundo do cinema. O
prêmio tocou o país. Começaram a achar que, apesar de
não termos quase nada, podíamos ter arte."
Em dezembro, "Um Homem que Grita" vai inaugurar a primeira sala de cinema
do Chade. Elas existiram um
dia. Mas, com o início da
guerra civil, há quatro décadas, todas foram fechadas.
Haroun conta que, até hoje, seus filmes só puderam
ser vistos em videoclubes. Ao
notar certa surpresa no olhar
da repórter, passa os dedos
pela testa: "É esse meu país.
Temos muito, muito pouco."
ROSTO DE MULHER
E o que faz alguém nascido
no Chade escolher o cinema
como ofício? "Ah, é uma história de amor. Me apaixonei
em 1969", conta, como se falasse de uma mulher. Num
cinema de Abéché, sua cidade natal, ele foi, com o tio, ver
um filme de Bollywood.
O filme corria normalmente quando, de repente, uma
atriz belíssima teve o rosto fechado em close e sorriu para
a câmera. Haroun, então com
apenas nove anos, teve a certeza de que ela havia sorrido
para ele.
"A sensação foi tão marcante que ainda me lembro
desse rosto", diz.
O sonho infantil ganhou
forma quando, aos 15 anos,
viu "Roma, Cidade Aberta",
de Roberto Rossellini. "Pensei: Tenho que fazer a mesma
coisa que ele." A essa altura,
viu um anúncio de um curso
de cinema em Paris. Recortou o endereço. Guardou
bem guardado o papelzinho.
Aos 21, conseguiu ir para
Paris e procurou o endereço.
Lá estava o Conservatório de
Cinema.
MARCAS DA GUERRA
Entre Rossellini e a "rue de
Delta" houve, porém, o drama da guerra. Haroun, aos 19
anos, foi atingido por um tiro. Com o Chade em frangalhos, o pai teve de levá-lo para hospitais de Camarões e
da Líbia.
E se Mahamat-Saleh Haroun escapou é porque nasceu numa família com condições de mover-se. Seu pai começou a vida como professor
e tornou-se diplomata.
Mas marca de guerra é daquelas que ficam. E elas estão em Haroun e em suas
imagens.
"Um Homem que Grita",
seu quarto longa, conta a história de um campeão de natação que, após perder o emprego na piscina de um hotel,
se sente aniquilado. Mas sua
ideia é mostrar uma sociedade ferida. "Nos acostumamos
à guerra, mas vamos sendo
minados por ela."
ESPELHO
O cineasta tem mulher e filhos em Paris, mas todo o resto da sua família vive no Chade, onde ele sempre está -
pelas raízes e pelo cinema.
"Só me interessa fazer filmes se for para mostrar minha gente. Quero que as pessoas se vejam num espelho,
que se vejam transformadas
em heróis, no sentido de ter a
própria realidade contada",
diz o cineasta.
Depois de terminar o curso
de cinema em Paris, Haroun
trabalhou como vigia e jornalista. Apenas em 1994 fez o
primeiro curta-metragem,
"Maral Tainé".
Exibido num cineclube no
Chade, vendeu mais ingressos que "O Exterminador do
Futuro". "Não tive dúvidas, a
partir dali, de que, por mais
que parecesse uma coisa maluca, tinha sentido o que eu
estava fazendo."
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