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Sem embargo, Fidel
Fotos reprodução do livro "Fidel Castro"
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Acima, no sentido horário, Fidel aos dois anos; Fidel, Raúl e Ramón, em 1941; de terno, em 1942; e, jogando basquete, em 1943, em Havana
DA REPORTAGEM LOCAL
Preste atenção na sequência de
fotos acima. Essas imagens imberbes de Fidel Castro
nunca saíram de seus arquivos.
Elas fazem parte do conjunto de
250 fotografias, boa parte delas
inéditas, que estão distribuídas
pelos dois tomos de "Fidel Castro
- Uma Biografia Consentida", de
Claudia Furiati.
Na primeira imagem à esquerda, o menino de dois anos era só o
terceiro filho de Angel Castro, um
dos maiores latifundiários cubanos, e de Lina, católica fervorosa
que estimularia o garoto a fazer
primeira comunhão. Na última,
em 1943, já era o craque nos esportes Fidel, que ensaiava a liderança estudantil defendendo em
debates o ensino privado e criticando a interferência do Estado nas áreas sociais.
Essas facetas até então invisíveis
do dirigente cubano são algumas
das "sete vidas" que estavam no
título original do livro. Mas como
em inglês os gatos têm "nove vidas", o título caiu do telhado.
"Biografia Consentida", termo
ditado por Fidel, foi o caminho
encontrado pela pesquisadora
para evitar a idéia de biografia oficial. "Eu não queria uma biografia
autorizada. O não-autorizada
também não era preciso, pois tinha o consentimento de Fidel e,
pela primeira vez, acesso a todo o
arquivo dele", conta Furiati.
Ela entregou as provas do livro
ao "comandante" no final de
agosto deste ano, quando já estavam em fase de revisão. "Não sei
até agora se ele leu. O texto estava
em português."
O livro, por ora, não sai em Cuba. O acordo com a editora espanhola Plaza & Janés prevê a publicação em todo o mercado de língua hispana, com exceção da ilha.
"Estou colocando o Granma na
água e não sei para onde ele vai",
diz Furiati, fazendo metáfora entre seu livro e o nome do barco
(abreviatura de avó, em inglês)
com o qual Fidel saiu do seu exílio
no México, em 1956, para começar as batalhas que terminariam
com a conquista do poder, em janeiro de 1959.
O período mais detalhado dos
dois volumes talvez seja esse. Dos
74 anos de Fidel, esses três levam
200 páginas de livro.
Antes de entrar no iate que deveria ter 25 passageiros, mas levou 82 revolucionários, o líder da
tropa escreveu uma espécie de
testamento, até então inédito.
"No automóvel que me conduz
ao ponto de saída para Cuba, a
cumprir um dever sagrado com a
minha Pátria e o meu povo... quero deixar constância deste ato de
última vontade para o caso de perecer na luta. Entrego meu filho
aos cuidados do casal Alfonso
Gutiérrez e Orquidia Pino", começa, se referindo ao até então
único filho, Fidelito.
As fatias do livro dedicadas às
batalhas na Sierra Maestra, região
montanhosa no miolo da ilha a
partir de onde Fidel coordenou a
guerrilha contra o ditador Fulgêncio Batista, são especialmente
vastas.
Furiati, que também atua como
roteirista de cinema, transforma
os combates em uma espécie de
"Apocalypse Now". Um anexo
com mais de dez páginas enumera dia e acontecimentos principais de cada uma das batalhas.
Toda a minúcia usada para decupar sequências como as da Sierra Maestra ou também para a chamada crise dos mísseis (o lendário entrevero que quase fez com
que EUA e União Soviética detonassem a Terceira Guerra, em
1962) é dispensada para temas como as relações de Fidel com o
Brasil ("o livro é internacional") e
a vida pessoal do ditador ("não é
preciso abrir muito a cortina para
falar de uma pessoa").
Ditador, aliás, é termo que quase não sai das teclas do computador da pesquisadora, que adota o
"comandante".
"Acho que o termo ditador está
ligado a pessoas corruptas, como
Franco, Salazar, Batista e dirigentes caribenhos. São trogloditas,
agem à revelia dos interesses
maiores da população. Fidel jamais trabalhou o poder colocando o interesse pessoal acima do
desenvolvimento da nação e da
emancipação cidadã. Se em alguns momentos ele foi ditatorial,
foi em prol da maioria e do que ele
via como destino da nação cubana", diz Furiati, que nunca foi militante política e não tem em casa
nenhum pôster de Fidel ou de
Che Guevara.
Che, por sinal, é outro assunto
central da biografia, claro, contradizendo a maior parte das teorias
existentes, de que houve uma briga estrondosa entre a dupla de revolucionários.
"Eles eram muito diferentes. Fidel era muito calculista, apesar de
impetuoso. O Che não era assim.
Ele não poderia ser um homem de
Estado, conduzir o processo administrativo de uma nação. Era
um revolucionário nato", sustenta a biógrafa.
"Num momento, quando Guevara se viu dentro de um quadro
estatal, desempenhando um papel burocrático, dentro de uma
revolução que tinha de se sedimentar e se institucionalizar, não
mais ser feita, ele começou a se
desencompatibilizar com esse papel", afirma.
Além disso, a pesquisadora sublinha a existência de um setor no
próprio governo cubano muito
mais aliado aos interesses da
União Soviética e que via como
desimportante justamente o objetivo do argentino Guevara, a exportação da revolução para toda a
América Latina, a África e a Ásia.
"Isso tudo vai criando uma distância entre Che com relação ao
Estado cubano. Fidel sempre tentou funcionar como um pêndulo,
tentou segurar Che. Chegou um
momento em que, por questão de
respeito a esse personagem com o
qual ele tinha uma história tão
densa e profunda, ele deixou Che
seguir o projeto dele."
Desvinculado de Cuba, Guevara
sai para fazer a revolução "tricontinental" e morre nas matas da
Bolívia, em 1967.
Com a morte dele, os impulsos
de expansão revolucionária ainda
existentes em Cuba sofrem retração. Esse retraimento, segundo
Furiati, teria esfriado a relação
frutífera que Fidel começava a desenvolver com o revolucionário
brasileiro Carlos Marighela, que
seria morto em 1969.
Segundo ela, foi do líder da
Ação Libertadora Nacional que
Fidel mais se aproximou. Mais do
que de Francisco Julião, Leonel
Brizola ou Luiz Carlos Prestes, outras lideranças de esquerda com
as quais Fidel teve contato. Ou
ainda do que Jânio Quadros, que
visita Cuba como candidato de
oposição para a eleição de 1960.
"Em um tête-à-tête, Fidel contou a Jânio Quadros o caso da sua
renúncia como primeiro-ministro. Jânio ficou tão impressionado
que, mais de um ano depois, ao
abandonar o cargo de presidente
(...), abrigava a inconfessa esperança de que o povo aclamasse
pela sua volta, tal como ocorrera
com o líder cubano", escreve Furiati, partindo de documentos encontrados no arquivo de Fidel.
Para Furiati, essas histórias são
mais discutidas publicamente.
Entre os orgulhos dela estão outros debates, como o do modo como se construiu a relação entre a
Revolução Cubana e os Estados
Unidos ("no início, por exemplo,
Fidel tenta manter vínculos econômicos com eles") ou como Fidel lidou com a União Soviética
("houve um momento, por exemplo, que Fidel ficou chateado com
a posição que os russos tomaram
na crise dos mísseis").
Só resta ler os dois tomos e fazer
o próprio julgamento se o autor
da frase "A história me absolverá"
será absolvido pela história.
A pesquisadora acredita que
sim. "Fidel é de uma estatura de
tal porte que já faz parte da história. Mais do que isso. Foi um dos
principais condutores da história
contemporânea."
(CASSIANO ELEK MACHADO)
FIDEL CASTRO - UMA BIOGRAFIA CONSENTIDA - Autora: Claudia Furiati.
Editora: Revan (tel. 0/xx/21/2502-7495).
Quanto: "Do Menino ao Guerrilheiro
-tomo 1" (R$ 54, 576 págs.) e "Do
Subversivo ao Estadista - tomo 2" (R$ 46,
496 págs.)
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