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"MANUEL BANDEIRA"
"Poeta 100%" é o mais completo de todos os tempos
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
Sem a intenção declarada de
mostrar que o autor de "A
Cinza das Horas" foi o poeta brasileiro mais completo de todos os tempos, é isso que Murilo Marcondes de Moura acaba por fazer em "Manuel Bandeira", novo volume da coleção "Folha Explica".
Sem querer, querendo, o professor de literatura brasileira da
UFMG (Universidade Federal de
Minas Gerais) mostra que, com
material catado no lixo do trabalho e dos dias ou nos informes
pessoais, Bandeira escapou do lirismo populista para construir a maior fortuna da poesia nacional.
O poeta viveu apenas a infância
no Recife, dez anos que firmaram
a geografia sentimental da poesia
da vida inteira, mudou para o Rio
e correu um tempo para Campanha (MG), Quixeramobim (CE) e
Clavadel (Suíça) em busca de ar
para as fraquezas do pulmão
("Diga trinta e três" do clínico
poema "Pneumotórax").
Como disse Roger Bastide, Bandeira (1886-1968) fez um "manual
de saúde dado ao homem desamparado".
Há uma elegância da dor nas
observações do poeta. Como
aquele sofredor solitário do botequim que purga no álcool o destino de corno que parece mais suportável quanto mais elegante pareça.
O livro de Marcondes de Moura
mostra como o poeta de Pasárgada dessacraliza, com seus rondós,
essa coisa de poesia dita profunda
-traço também do conterrâneo
João Cabral, via discurso semi-árido- ao dizer que os corpos se
entendem, as almas não.
O "São João Batista do modernismo" ou o "sapo cururu" da
poesia, como queria o amigo Mário de Andrade, pulou fora das lagoas parnasianas e também obteve a animação das sereias vanguardistas dos anos 50 sem cair
nas armadilhas da militância dos
"novidadeiros".
Bandeira, conta o autor, publicou seu primeiro livro, "A Cinza
das Horas" (1917), quando os bardos Olavo Bilac e Alphonsus de
Guimarães ainda estavam na ativa. E, quando surgiu a primeira
edição de "Estrela da Vida Inteira", última farta antologia com o
poeta em vida, em 66, apareciam
os primeiros "marginais", como
Cacaso e Paulo Leminski.
A trajetória, que vai do "ora direis, ouvir estrelas" ao pré-desbunde que resultaria na poesia
dos anos 70, fez de Bandeira a
maior carteira de lirismo da poesia dos tristes trópicos, como
mostra, mineiramente, o professor Marcondes de Moura.
O poeta de "Libertinagem" foi,
por falar em mineiridade, essa outra invenção do discurso geopolítico nacional -tudo é caricatura
e discurso-, um "come-quieto"
por excelência. Daí a crendice na
sua tamanha humildade, valor
exaltado pelo professor e crítico
Davi Arrigucci Jr..
Podia até ocorrer alguma modéstia nos temas, como na simplicidade do café que prepara, no enterro que testemunha, nas tantas
prostitutas ou na namoradinha
da esquina. Mas uma coisa que
não existe em poesia é a tal da humildade. Não combina com o gênero, inútil e pernóstico por natureza, como escancarou o ABC de
Pound e a luxúria crítica do melhor de todos, Baudelaire.
O próprio Bandeira dizia, foguetório particular para louvar
ecletismo e trajetória, que o poeta
100% tinha que nadar em todas as
águas. Ele nadou de braçada. De
sapo do brejo parnasiano a cururu da várzea mais modernista.
Manuel Bandeira
Autor: Murilo Marcondes de Moura
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (96 págs.)
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