São Paulo, sábado, 08 de dezembro de 2001

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"MANUEL BANDEIRA"

"Poeta 100%" é o mais completo de todos os tempos

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Sem a intenção declarada de mostrar que o autor de "A Cinza das Horas" foi o poeta brasileiro mais completo de todos os tempos, é isso que Murilo Marcondes de Moura acaba por fazer em "Manuel Bandeira", novo volume da coleção "Folha Explica".
Sem querer, querendo, o professor de literatura brasileira da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) mostra que, com material catado no lixo do trabalho e dos dias ou nos informes pessoais, Bandeira escapou do lirismo populista para construir a maior fortuna da poesia nacional.
O poeta viveu apenas a infância no Recife, dez anos que firmaram a geografia sentimental da poesia da vida inteira, mudou para o Rio e correu um tempo para Campanha (MG), Quixeramobim (CE) e Clavadel (Suíça) em busca de ar para as fraquezas do pulmão ("Diga trinta e três" do clínico poema "Pneumotórax").
Como disse Roger Bastide, Bandeira (1886-1968) fez um "manual de saúde dado ao homem desamparado".
Há uma elegância da dor nas observações do poeta. Como aquele sofredor solitário do botequim que purga no álcool o destino de corno que parece mais suportável quanto mais elegante pareça.
O livro de Marcondes de Moura mostra como o poeta de Pasárgada dessacraliza, com seus rondós, essa coisa de poesia dita profunda -traço também do conterrâneo João Cabral, via discurso semi-árido- ao dizer que os corpos se entendem, as almas não.
O "São João Batista do modernismo" ou o "sapo cururu" da poesia, como queria o amigo Mário de Andrade, pulou fora das lagoas parnasianas e também obteve a animação das sereias vanguardistas dos anos 50 sem cair nas armadilhas da militância dos "novidadeiros".
Bandeira, conta o autor, publicou seu primeiro livro, "A Cinza das Horas" (1917), quando os bardos Olavo Bilac e Alphonsus de Guimarães ainda estavam na ativa. E, quando surgiu a primeira edição de "Estrela da Vida Inteira", última farta antologia com o poeta em vida, em 66, apareciam os primeiros "marginais", como Cacaso e Paulo Leminski.
A trajetória, que vai do "ora direis, ouvir estrelas" ao pré-desbunde que resultaria na poesia dos anos 70, fez de Bandeira a maior carteira de lirismo da poesia dos tristes trópicos, como mostra, mineiramente, o professor Marcondes de Moura.
O poeta de "Libertinagem" foi, por falar em mineiridade, essa outra invenção do discurso geopolítico nacional -tudo é caricatura e discurso-, um "come-quieto" por excelência. Daí a crendice na sua tamanha humildade, valor exaltado pelo professor e crítico Davi Arrigucci Jr..
Podia até ocorrer alguma modéstia nos temas, como na simplicidade do café que prepara, no enterro que testemunha, nas tantas prostitutas ou na namoradinha da esquina. Mas uma coisa que não existe em poesia é a tal da humildade. Não combina com o gênero, inútil e pernóstico por natureza, como escancarou o ABC de Pound e a luxúria crítica do melhor de todos, Baudelaire.
O próprio Bandeira dizia, foguetório particular para louvar ecletismo e trajetória, que o poeta 100% tinha que nadar em todas as águas. Ele nadou de braçada. De sapo do brejo parnasiano a cururu da várzea mais modernista.


Manuel Bandeira
   
Autor: Murilo Marcondes de Moura
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (96 págs.)



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