São Paulo, sábado, 08 de dezembro de 2001

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MÚSICA

Aos 71 anos, sambista, que foi parceiro de Cartola, é homenageado e classifica como "decadente" a produção atual

O "crítico" Elton Medeiros recebe prêmio

ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO

Não esperem que ele satisfaça o senso comum, usando chapéu de palha e camisa listrada, para parecer um sambista. Rejeitando estereótipos, Elton Medeiros, 71, recebeu, na última terça, o Prêmio Shell de Música Brasileira. Ao mesmo tempo em que é premiado, mantém a verve crítica e diz que a produção artística do país piorou.
"Ao comparar o que se faz hoje com a música dos anos 30 a 50, a decadência é evidente", afirma Medeiros, autor de sambas célebres, em parcerias com Cartola, Paulinho da Viola, Zé Kéti, Hermínio Bello de Carvalho e Paulo César Pinheiro, entre outros.
Se é convidado para tomar uma cerveja, ele é rascante. "Tem gente que imagina que para fazer samba é preciso frequentar botequim. Eu até sei bater uma caixinha de fósforo, mas não faço tipo para corresponder à idealização das pessoas", diz ele, que é graduado em administração de empresas.
O prêmio é o reconhecimento pelos 50 anos de carreira do sambista, iniciada no tempo em que seus grandes ídolos eram Geraldo Pereira (1918-1955) e Cartola (1908-1980). Do último, ele se tornou parceiro. Sobre o primeiro, prepara um livro, em que aborda várias versões sobre sua morte.
Os dois ídolos eram sambistas ligados à favela da Mangueira, ao meio das escolas de samba, muitas vezes descritos como compositores populares apenas instintivos que eram capazes de produzir obras geniais.
Medeiros discorda dessa concepção e reflete sobre a chamada "época de ouro" da música popular brasileira (as três décadas que antecedem os anos 60 e a massificação da TV): "Aqueles foram os anos do ensino obrigatório de música, dos corais e bandas em escola. As pessoas aprendiam música e ouviam muito rádio. Era um público exigente, que estimulava os compositores a se superarem. Se pensarmos no que acontece hoje, dá vontade de chorar".
A obrigatoriedade do ensino musical nesse período foi um projeto criado pelo compositor erudito Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que Medeiros considera a figura mais importante para a identidade da música brasileira.
"Villa-Lobos levou os corais para as favelas, o ensino musical estava nas escolas públicas. Tudo isso resultou em uma qualidade altíssima na produção artística, e mesmo os compositores dos morros foram envolvidos nesse movimento", afirma.
Ao falar de Geraldo Pereira e Cartola, Medeiros diz que ambos passaram para a história marcados pela sofisticação melódica de suas composições. "Em 1960, quando Zé Kéti me apresentou Cartola, eu quase tremi, pois estava diante de um gênio."
A convivência com o ídolo levou à criação em parceria de "O Sol Nascerá", um dos clássicos do samba. Medeiros diz que a música nasceu de um desafio. Um amigo comum, vendo a dupla, disse que eles não seriam capazes de compor um samba naquele mesmo instante.
"Topamos a brincadeira. Cartola pegou o violão e logo começou: "A sorrir, eu pretendo levar a vida...", eu emendei em seguida, ele continuou e fomos compondo. Em 40 minutos, o samba estava pronto", afirma.
Apesar do exemplo de criação nascida de inspiração imediata, Medeiros diz que o trabalho de composição é fruto de uma dedicação rigorosa, na qual o aprimoramento se dá por estudos e acúmulo de conhecimento.
E os seus conhecimentos de administrador, Medeiros usou no exercício profissional paralelo, na Secretaria de Fazenda do Estado do Rio. Mesmo aposentado, ele ainda continua trabalhando na área, agora como consultor.
"Jacob do Bandolim era escrivão. Pixinguinha foi professor. Geraldo Pereira era motorista da prefeitura. Mais que uma tradição do meio artístico brasileiro, isso mostra uma necessidade de trabalhar em outras áreas para sobreviver", diz ele, enfatizando que o serviço público nunca restringiu sua capacidade de criação.


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