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MÚSICA
Aos 71 anos, sambista, que foi parceiro de Cartola, é homenageado e classifica como "decadente" a produção atual
O "crítico" Elton Medeiros recebe prêmio
ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO
Não esperem que ele satisfaça o
senso comum, usando chapéu de
palha e camisa listrada, para parecer um sambista. Rejeitando estereótipos, Elton Medeiros, 71, recebeu, na última terça, o Prêmio
Shell de Música Brasileira. Ao
mesmo tempo em que é premiado, mantém a verve crítica e diz
que a produção artística do país
piorou.
"Ao comparar o que se faz hoje
com a música dos anos 30 a 50, a
decadência é evidente", afirma
Medeiros, autor de sambas célebres, em parcerias com Cartola,
Paulinho da Viola, Zé Kéti, Hermínio Bello de Carvalho e Paulo
César Pinheiro, entre outros.
Se é convidado para tomar uma
cerveja, ele é rascante. "Tem gente
que imagina que para fazer samba
é preciso frequentar botequim. Eu
até sei bater uma caixinha de fósforo, mas não faço tipo para corresponder à idealização das pessoas", diz ele, que é graduado em
administração de empresas.
O prêmio é o reconhecimento
pelos 50 anos de carreira do sambista, iniciada no tempo em que
seus grandes ídolos eram Geraldo
Pereira (1918-1955) e Cartola
(1908-1980). Do último, ele se tornou parceiro. Sobre o primeiro,
prepara um livro, em que aborda
várias versões sobre sua morte.
Os dois ídolos eram sambistas
ligados à favela da Mangueira, ao
meio das escolas de samba, muitas vezes descritos como compositores populares apenas instintivos que eram capazes de produzir
obras geniais.
Medeiros discorda dessa concepção e reflete sobre a chamada
"época de ouro" da música popular brasileira (as três décadas que
antecedem os anos 60 e a massificação da TV): "Aqueles foram os
anos do ensino obrigatório de
música, dos corais e bandas em
escola. As pessoas aprendiam
música e ouviam muito rádio. Era
um público exigente, que estimulava os compositores a se superarem. Se pensarmos no que acontece hoje, dá vontade de chorar".
A obrigatoriedade do ensino
musical nesse período foi um projeto criado pelo compositor erudito Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que Medeiros considera a
figura mais importante para a
identidade da música brasileira.
"Villa-Lobos levou os corais para as favelas, o ensino musical estava nas escolas públicas. Tudo isso resultou em uma qualidade altíssima na produção artística, e
mesmo os compositores dos
morros foram envolvidos nesse
movimento", afirma.
Ao falar de Geraldo Pereira e
Cartola, Medeiros diz que ambos
passaram para a história marcados pela sofisticação melódica de
suas composições. "Em 1960,
quando Zé Kéti me apresentou
Cartola, eu quase tremi, pois estava diante de um gênio."
A convivência com o ídolo levou à criação em parceria de "O
Sol Nascerá", um dos clássicos do
samba. Medeiros diz que a música nasceu de um desafio. Um amigo comum, vendo a dupla, disse
que eles não seriam capazes de
compor um samba naquele mesmo instante.
"Topamos a brincadeira. Cartola pegou o violão e logo começou:
"A sorrir, eu pretendo levar a vida...", eu emendei em seguida, ele
continuou e fomos compondo.
Em 40 minutos, o samba estava
pronto", afirma.
Apesar do exemplo de criação
nascida de inspiração imediata,
Medeiros diz que o trabalho de
composição é fruto de uma dedicação rigorosa, na qual o aprimoramento se dá por estudos e acúmulo de conhecimento.
E os seus conhecimentos de administrador, Medeiros usou no
exercício profissional paralelo, na
Secretaria de Fazenda do Estado
do Rio. Mesmo aposentado, ele
ainda continua trabalhando na
área, agora como consultor.
"Jacob do Bandolim era escrivão. Pixinguinha foi professor.
Geraldo Pereira era motorista da
prefeitura. Mais que uma tradição
do meio artístico brasileiro, isso
mostra uma necessidade de trabalhar em outras áreas para sobreviver", diz ele, enfatizando que
o serviço público nunca restringiu
sua capacidade de criação.
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