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ERUDITO
Delícias eróticas da Osesp
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Eis o que aconteceu em 1903:
Richard Strauss compôs a
"Sinfonia Doméstica". Eis o que
aconteceu em 1934: estréia da
"Rapsódia Sobre um Tema de Paganini" de Sergei Rachmaninov,
em Baltimore. O resto é detalhe, o
resto ninguém lembra, desapareceu da memória do mundo. A
música fica. E soou viva mais uma
vez no concerto da Osesp quinta-feira, regida por John Neschling.
Antes de Strauss, Rachmaninov; e antes de Rachmaninov,
Bloch: Ernest Bloch (1880-1959),
pequeno astro na pequena galáxia
da música suíça. Seu "Schelomo",
para violoncelo e orquestra, porta
o subtítulo "rapsódia hebraica".
É o "schmalz" bíblico, um melado místico com salomônicas notas dó. Roman Mekilunov, "spalla" do naipe na orquestra, tirou
toda a música que há para tirar da
partitura, e provou que merece
tocar algo melhor da próxima vez.
Depois da rapsódia sobre a segunda aumentada, a rapsódia sobre um tema de Paganini. Alguém
explica o que quer dizer a combinação do tema do "Capricho 24"
de Paganini com o "Dies Irae"
gregoriano? Um é a imagem espelhada do outro. Mas por que a sugestão apocalíptica? Teologia à
parte, Rachmaninov é o
"schmalz" que dá certo. E o pianista Stephen Hough tocou a
"Rapsódia" com energia, com alegria, com nostalgia. Milhares de
semicolcheias impecavelmente
em ordem. Dezenas de acordes
impecavelmente em desordem.
(E um bis raro e bonito, depois,
do espanhol Mompou.)
Trompas da Osesp arrasando.
Ótimos solos (e conjuntos também) dos sopros no Strauss. O
normalmente expansivo Nesch-
ling estava anormalmente expansivo, e não é difícil de entender.
Veja-se o roteiro da "Doméstica":
cena da família, feliz em casa; o
menino brincando; acalanto (lindo tema em terças dos clarinetes);
idílio do casal; rusga, reconciliação, confiança, júbilo. Nem todo
mundo concorda que seja essa
uma das grandes obras do compositor; mas há grande Strauss de
sobra, aqui e ali, e a cena do idílio
é inesquecível. Até por motivos
extramusicais.
Chegou a hora de dizer o que
sempre se quis, e não podia. Porque esse grande adágio não é só
romântico, à maneira, por exemplo, de Rachmaninov. Nem é só
sugestivamente amoroso, à maneira, por exemplo, do "Bolero"
de Ravel. É descritivamente, deliciosamente, minuciosamente
erótico, com requintes de textura
e andamento.
Strauss...é !*#!.
Tudo muda, é claro, nesse contexto. Um duo, um trio, uma batuta. Enfim: novas posições.
E a Osesp pode não ter sido a
parceira mais transparente em todos os instantes (porque esse
Strauss é mesmo !*#!); mas tocou
com arroubo e fôlego -precisa
mais?
O resto é detalhe, o resto ninguém lembra. São só as neuroses,
que não podem nada contra o coração e a carne da música.
Osesp
Regência: John Neschling
Quando: hoje, às 16h30
Onde: sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš; tel. 0/xx/3337-5414)
Quanto: de R$ 10 a R$ 30
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