São Paulo, quarta-feira, 08 de dezembro de 2010

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OPINIÃO

Morbidez da meninada de hoje é de assustar velhos vampiros

ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA

Uma das grandes revoluções da internet no panorama musical foi acabar com o conceito de "cena local".
Antigamente, "cena" abrangia um grupo de bandas ou artistas conectados geograficamente e que faziam música similar.
Várias partes do mundo tiveram as suas: Nova York e Londres geraram o punk, no meio dos anos 1970; Seattle teve o grunge e Manchester, a acid house. A Escandinávia gerou uma cena fortíssima de bandas de heavy metal extremo; Detroit teve o techno...
Com a internet, não importa mais de onde os artistas são, contanto que possam se encontrar virtualmente.
A cena de witch house -ou drag, ou haunted house, como preferem alguns- é assim: diversos artistas espalhados pelo mundo. Pouco se sabe sobre eles. O mistério é a alma do negócio.
"Sinto que muito do desenvolvimento musical acontece on-line. As cenas locais não são tão importantes", disse ao site Pitchfork Christopher Dexter Greenspan, que grava como oOoOO (a pronúncia é "Oooo").
Musicalmente, o witch house é simples: pop eletrônico lento, quase "ambient", mas com um clima lúgubre que lembra os sons góticos de Sisters of Mercy e Cure.
Imagine o Portishead ou o Massive Attack fazendo a trilha de um filme de terror como "Atividade Paranormal", substituindo a beleza etérea de suas canções por uivos e efeitos sonoros assustadores.
Outra influência é o dubstep de Burial, o misterioso produtor inglês. Sua mistura de batidas eletrônicas minimalistas com melodias sombrias parece ter tocado fundo nos corações negros dos expoentes do witch house.
O que nos leva a outro fator importante para a cena musical: a obsessão em levar suas influências ao extremo.
Desde que o rock surgiu, jovens sempre buscaram emular seus ídolos, adaptando a música ao seu próprio tempo. A tendência disso é uma radicalização sonora e estética.
O conceito de som "pesado" ou "extremo" se estreita a cada dia. Uma banda como o Black Sabbath, que praticamente inventou o heavy metal e era considerada uma aberração sonora nos anos 1970, hoje pode tranquilamente ser ouvida em qualquer rádio comercial.
Os artistas de witch house parecem muito influenciados pelo som gótico, uma vertente nascida nos anos 1970, marcada por sons tristes e românticos.
E os vampiros de outrora, gente como o Bauhaus ou o Siouxsie, certamente se assustaria com a morbidez da meninada de hoje.


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