São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

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TEATRO

Subsolo da memória

Tuca Vieira/Folha Imagem
Simone Spoladore e Guilherme Weber em cena da peça "Alice"



Sutil Companhia, de Felipe Hirsch, faz dez anos, estréia peça experimental e mostra sua montagem mais famosa


PEDRO IVO DUBRA
DA REDAÇÃO

Lembrada por seu trabalho com o tema da memória -à tona ou mais subterrânea, em flashback ou em contínuo vai-e-vem-, a Sutil Companhia de Teatro parece a partir de hoje viver uma das histórias que representa.
Para rememorar os dez anos que completa em 2003, encena seu "mais experimental espetáculo", nas palavras do diretor carioca-paranaense Felipe Hirsch, 30. Em paralelo, volta no tempo e recorda a popular peça que a projetou em São Paulo, há dois anos.
"Alice ou A Última Mensagem do Cosmonauta para a Mulher que Ele um Dia Amou na Antiga União Soviética" e "A Vida É Cheia de Som e Fúria" (2000) entram em cartaz hoje e na próxima terça-feira, respectivamente. Tratam de reminiscências e integram a pesquisa da Sutil pelo chamado teatro da memória, característica que amarra quase todas as montagens do grupo.
"Alice" é uma criação do escocês David Greig, pela primeira vez encenada no Brasil. "A Vida É Cheia de Som e Fúria" perfaz uma adaptação do romance "Alta Fidelidade", de Nick Hornby, sobre um dono de uma loja de discos trintão em crise existencial.
Além dos dois espetáculos, integram o projeto Sutil Dez Anos os lançamentos de uma revista, sem previsão de periodicidade, e um site. O texto de Hirsch "Estou Te Escrevendo de um País Distante (1997), inspirado em "Hamlet", de Shakespeare, recebe ainda uma leitura dramática.

Caos emocional
Felipe Hirsch diz que a produção de Greig é mais uma das peças encontradas em suas pesquisas pelas obras que encampam o universo da memória e de seus desdobramentos. Mais do que isso, é "um ponto de partida para o caos emocional" envolvido numa concepção polvilhada por referências literárias (Lewis Carroll e T.S. Eliot, por exemplo) e mesmo alheias às fronteiras artísticas.
"É um trabalho mais sensorial, fragmentário, com um caráter bastante profundo no estudo da memória, até científico, com acréscimo de textos de neurologistas tratados dentro da prática do jogo teatral, sem aridez."
Em chave pouco linear, dois cosmonautas soviéticos abandonados no espaço há 12 anos não sabem que a sua missão se findou. Oleg gostava de uma mulher na Terra, com quem tenta comunicação. Casimir tem uma filha, Alice, russa de 18 anos que mora em Londres. Desfilam ainda pela trama um físico, sua mulher, uma policial e um funcionário público.
Os primeiros passos para a montagem de "Alice" se deram depois de "Os Solitários" (2002), com Marieta Severo e Marco Nanini. O cenário da vez, de Daniela Thomas, cria uma parede de sete metros de altura com nichos, compartimentos que lembram caixotes. Neles, desenrolam-se as cenas. A característica tela para projeção de imagens, presente em "A Vida...", está de volta.
O trabalho da Sutil Companhia de Teatro ganhou destaque nos anos 90, com um processo que tem talvez como maior singularidade a existência de um núcleo artístico -de direção, cenografia, iluminação etc.- que, apesar da frequência de alguns atores, exemplos de Guilherme Weber e Erica Migon, atua em parceria com intérpretes diferentes. Assim surgiram espetáculos com Renata Sorrah e Xuxa Lopes ("Jantar Entre Amigos - Pequenos Terremotos"), Eliane Giardini e Andrea Beltrão ("Memória da Água").
Este último, de 2001, com o substantivo que perpassa e identifica o trabalho do grupo no título, é, para Hirsch, um ponto de ruptura. A memória, que já havia surgido como estrutura das peças, nos protagonistas-narradores de "A Vida É Cheia de Som e Fúria" e "Nostalgia", aflora então como matéria dramática.
"Os Solitários" e "Jantar..." escapariam um pouco da linha consagrada de reminiscência: o primeiro com as lembranças se diluindo na violência, o segundo como estudo das relações medianas.
Entre os planos da Sutil Companhia, algo indefinidos quanto à data, estão as montagens de "O que Quer o Brasil que Me Persegue", encenação inspirada na cena punk curitibana, e "Como Eu Aprendi a Dirigir um Carro", "work in progress" mostrado somente em Curitiba, em 2002.

SUTIL DEZ ANOS. Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, SP, tel. 0/xx/11/3256-2281). "Alice ou A Última Mensagem do Cosmonauta...", texto de David Greig e direção de Felipe Hirsch. Quando: hoje, às 21h (para convidados); sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h. 120 min. "A Vida É Cheia de Som e Fúria". Adaptação de texto de Nick Hornby e direção de Felipe Hirsch. Quando: 14/1, às 21h; ter e qua., às 21h. 180 min. "Estou Te Escrevendo de um País Distante" (leitura). Quando: amanhã, às 21h; até 16/2. Quanto: R$ 20 (por espetáculo) e grátis (leitura). Patrocínio: Brasil Telecom.

DEZ PRIMEIROS ANOS - Revista com críticas, trechos de reportagens e fotos dos espetáculos. 80 págs. Preço: a definir. Venda no Sesc Anchieta. Site: www.sutilcompanhia.com.br (a ser lançado após a estréia). Patrocínio: Brasil Telecom.



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