São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LITERATURA

Elogiado autor mineiro lança livro depois de 20 anos e deve ter material "de gaveta" publicado ainda este ano

Orlando Bastos deixa o semi-ostracismo

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Orlando Bastos, 82, se desculpa várias vezes por sua timidez. "Sou muito acanhado para falar sobre meus livros", diz o escritor que já foi elogiado por Pedro Nava, Carlos Drummond de Andrade, José Paulo Paes e foi tema de ensaio de Malcolm Silverman, da San Diego State University.
Sua última obra, "De Repente, às Três da Tarde", foi lançada há quase 20 anos. Nesse meio tempo, discretamente como bom mineiro (o autor é de Divisa Nova, MG), pingou contos em jornais, escreveu dois romances inéditos e organizou antologias.
A editora W11 redescobriu e adotou o autor. Lançou "O Último Sábado", primeira reunião de contos de Bastos desde 1984, e deve publicar seu material engavetado a partir deste ano. O escritor, que confessa destilar em suas páginas sua "obsessão" pelas coisas e pelo falar de Minas, trocou dois dedos de prosa com a Folha.
 

Folha - Qual a razão desse hiato de mais de 20 anos desde a publicação de seu último livro?
Orlando Bastos -
Na verdade, publiquei contos na imprensa durante os anos 80. Essa ficção foi reunida em "O Último Sábado". Também escrevi dois romances ("O Poetastro" e "A Lamparina e a Estrela") e organizei antologias, sobre a Revolução Francesa, o Egito, Israel. Tudo inédito. Só agora uma editora se interessou. Voltei a ficar animado.

Folha - O senhor trabalha com um universo específico, pequenas cidades do interior de Minas Gerais.
Bastos -
Tenho dificuldade com ficção urbana. Cada autor deve criar seu universo, e a partir dele lidar com questões universais. As situações e os personagens que tomam conta de mim quando escrevo vêm do sertão mineiro.

Folha - Os enredos se baseiam em "causos" reais?
Bastos -
Pequenas conjunturas, características e o linguajar dos personagens podem apoiar-se em acontecimentos e pessoas de minha infância e adolescência, mas no geral é inventado. Às vezes a inspiração vem nos sonhos.

Folha - Nota-se uma preocupação com o falar dos personagens.
Bastos -
Para mim, o linguajar é elemento essencial da escrita. Às vezes o personagem determina sua linguagem, às vezes a linguagem dita seu comportamento.

Folha - Há influência de Guimarães Rosa na pesquisa formal da linguagem?
Bastos -
Guimarães mostrou como era possível reinventar artisticamente, poeticamente, o substrato linguístico do sertanejo. Mas antes de ter lido várias vezes "Grande Sertão: Veredas", na década de 30, fazia meus exercícios literários em que entabulei experiências com a linguagem local.

Folha - Quais suas influências?
Bastos -
Guimarães, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade. Fui muito influenciado por autores portugueses como Eça de Queiroz e os neo-realistas.

Folha - Vários de seus contos tratam da morte -morrida, matada ou suicidada. O tema o persegue?
Bastos -
Medito bastante sobre a morte, mas nunca planejei fixar-me especialmente nela. Quando começo um conto, muitas vezes não sei como ele vai terminar. Esforço-me para estabelecer o primeiro parágrafo, que funciona como um leque. Posso depois deixar-me levar. O conto é como um rio calmo, que desliza profundamente até seu misterioso destino. Para mim, o processo de criação é um mistério.


Texto Anterior: Prêmio não aponta favoritos em indicações
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.