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CRÍTICA
Escritor remete a imaginário ficcional do sertão mineiro
CRÍTICO DA FOLHA
Entrar no universo do escritor mineiro Orlando Bastos é
como vislumbrar um mundo esquecido. As pessoas sabem a hora
pelo rádio ou pelos sinos da igreja.
Andam a cavalo. Assistem a pantomimas no circo de cavalinhos.
Lêem as anedotas de Bocage e os
romances de Dumas. Falam uma
linguagem menos complexa, mas
ainda reminiscente do estilo de
Guimarães Rosa. A traição é, alguma vezes, lavada com sangue.
Assim como García Márquez
elaborou sua mítica Macondo para meditar sobre a Colômbia real,
Bastos cria lugarejos fictícios
-Bom Jesus da Serra, São Gonçalo de Cima, Água Limpa- que
refletem fantasmagoricamente as
cidadezinhas que lhes serviram de
inspiração.
Embora inventadas, remetem-nos a uma região bem determinada do imaginário ficcional, o sertão de Minas Gerais.
No entanto, se a região se faz reconhecer, a época não. É como se
saboreássemos, de dentro de uma
zona concreta de nossa imaginação, uma sensação de ausência
temporal, como se o tempo tivesse parado nalgum ponto inespecífico, pré-revolução digital, do século passado.
Nesse palco assombrado, a
morte ou a loucura estão sempre à
espreita, como vizinhos próximos
nem sempre indesejados. Em
"Não Era Bem Isso", um viúvo faz
uma declaração de amor a uma
moça enquanto cuida do translado dos restos mortais da morta.
"O Palmeirim das Gerais" apresenta um capiau que mata a namorada, transformando-a inadvertidamente em mártir.
Ao transformar-se em motor
para as ações dos personagens, a
morte reforça o estado de estagnação em que está mergulhado
aquele cafundó arcaico. Mesmo
quando sonham com a "vita nuova", os personagens não deixam
de pactuar com a morte. Eles se
identificam com esta última na
medida em que fazem parte de
um mundo que de uma certa forma também está morto.
Num dos contos, um carcereiro
lê um trecho do Livro de Jó: "Por
que esperar se já não tenho forças? Por que prolongar a vida se o
fim é certo?". Ninguém sabe a resposta. Enquanto isso, uns matam,
uns morrem e outros esperam.
(MARCELO PEN)
O Último Sábado
Autor: Orlando Bastos
Editora: W11
Quanto: R$ 21 (112 págs.)
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