São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

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CRÍTICA

Escritor remete a imaginário ficcional do sertão mineiro

CRÍTICO DA FOLHA

Entrar no universo do escritor mineiro Orlando Bastos é como vislumbrar um mundo esquecido. As pessoas sabem a hora pelo rádio ou pelos sinos da igreja. Andam a cavalo. Assistem a pantomimas no circo de cavalinhos. Lêem as anedotas de Bocage e os romances de Dumas. Falam uma linguagem menos complexa, mas ainda reminiscente do estilo de Guimarães Rosa. A traição é, alguma vezes, lavada com sangue.
Assim como García Márquez elaborou sua mítica Macondo para meditar sobre a Colômbia real, Bastos cria lugarejos fictícios -Bom Jesus da Serra, São Gonçalo de Cima, Água Limpa- que refletem fantasmagoricamente as cidadezinhas que lhes serviram de inspiração.
Embora inventadas, remetem-nos a uma região bem determinada do imaginário ficcional, o sertão de Minas Gerais.
No entanto, se a região se faz reconhecer, a época não. É como se saboreássemos, de dentro de uma zona concreta de nossa imaginação, uma sensação de ausência temporal, como se o tempo tivesse parado nalgum ponto inespecífico, pré-revolução digital, do século passado.
Nesse palco assombrado, a morte ou a loucura estão sempre à espreita, como vizinhos próximos nem sempre indesejados. Em "Não Era Bem Isso", um viúvo faz uma declaração de amor a uma moça enquanto cuida do translado dos restos mortais da morta. "O Palmeirim das Gerais" apresenta um capiau que mata a namorada, transformando-a inadvertidamente em mártir.
Ao transformar-se em motor para as ações dos personagens, a morte reforça o estado de estagnação em que está mergulhado aquele cafundó arcaico. Mesmo quando sonham com a "vita nuova", os personagens não deixam de pactuar com a morte. Eles se identificam com esta última na medida em que fazem parte de um mundo que de uma certa forma também está morto.
Num dos contos, um carcereiro lê um trecho do Livro de Jó: "Por que esperar se já não tenho forças? Por que prolongar a vida se o fim é certo?". Ninguém sabe a resposta. Enquanto isso, uns matam, uns morrem e outros esperam. (MARCELO PEN)


O Último Sábado    
Autor: Orlando Bastos
Editora: W11
Quanto: R$ 21 (112 págs.)



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