São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

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CRÍTICA

"Casa" se perde entre épico e nervos femininos

XICO SÁ
CRÍTICO DA FOLHA

Quase todo épico, noves fora Francis F. Coppola e o horror da selva, fica meio chato no mundo audiovisual. Roupa demais, batalha demais, sangue demais, imitações de Shakespeare, machos demais, fêmeas de menos. Será que o gênero nasceu para ser copyright, domínio exclusivo de Homero? Acho que sim.
"A Casa das Sete Mulheres", nova série da Globo, começa bem pela contabilidade das saias. Ora, o desequilíbrio de pares assassina, a espadadas, o drama, o conflito, a imitação mínima da vida na TV. Com sete, o número da história da infâmia e da mentira (e tantas outras auxiliares...), pode até ser que o drama se multiplique.
E Jayme Monjardim (diretor) que não se livra de "Pantanal" [novela da extinta Manchete" que conduziu. Limpa nossas vistas com paisagens que mais parecem aqueles quadros da Praça da República. ("Mas é lindo!", aquiesce minha mãe, ao telefone, no momento em que vejo a TV). O diretor deve ter acertado. Minha mãe não é Walter Benjamin, mas nunca errou na tal narrativa de afetividade popular.
O pano de fundo é a brava Revolução Farroupilha (1835-1845). Um bando de gaúchos decentes, machos e honestos enfrentaram a guarda imperial, sedenta por tributos. A taxa sobre o charque, a carne-seca, foi o estopim. Aliás, a mais linda paisagem de Monjardim é aquela das mantas de charque, água na boca, deliciosa metonímia fiscal da guerra de todos os farrapos.
As mulheres põem as ansiedades em uma guerrilha de nervos, mas carecem de premonições para sustentar a trama. A atirada ruivinha (Rosário, por Mariana Ximenes) esquece o épico e a filiação herdeira de Bento Gonçalves -e se joga nos braços do primeiro mancebo que aparece. Das meninas, a melhor no primeiro capítulo é a narradora Manuela (Camila Morgado), a quem o destino reserva o herói Garibaldi.
Na inauguração, o diário da narradora e as premonições (ah, o futuro) salvaram a narrativa. Sem carecer das paisagens amaciantes e da musiquinha chata, sem tuiuiús pantaneiros, que seguem os heróis. Se gastaram muita grana com cenas de batalhas, problema da pretensão global. O drama das mulheres já seria superior a qualquer sangue. Bastava o já citado diário, e as tintas de uma espera à Tchecov, o escritor russo que mais entende disso, para dizer tudo.


A Casa das Sete Mulheres   
Quando: de ter. a sex., na Globo (o horário varia entre 22h35 e 23h05).



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