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CINEMA
Para o israelense Syvan, que co-dirigiu "Rota 181" com o palestino Khleïf, filmes podem ir à raiz do conflito entre seus países
Cineastas filmam divisória imaginária
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A questão palestina chega ao
documentário e repercute. Cineastas nascidos e/ou formados
na região expressam seus pontos
de vista sobre um conflito desigual e desumano em documentários que respeitam a profundidade das questões em jogo.
Em 1948, a ONU determinou a
criação de Israel e estabeleceu
uma linha que demarcava a fronteira entre o novo Estado judeu e
o que deveria vir a ser o Estado
palestino. Essa linha fronteiriça,
que nunca saiu do papel, dá nome
ao filme provocante, co-dirigido
por Eyan Sivan, jovem israelense,
e Michel Khleïf, veterano palestino, ambos radicados na França.
Os dois cineastas percorreram a
divisória imaginária registrando a
paisagem e entrevistando palestinos e israelenses que vivem no
que um dia foi pensado como
uma região fronteiriça.
"Rota 181" faz parte de uma safra de documentários recentes,
que, para além de alinhamentos
institucionais, nacionais ou religiosos, expressam o absurdo da
situação de violência, desigualdade e enfrentamento a que se chegou na região. A colaboração entre um diretor israelense e um palestino permite que a equipe, ora
em hebreu, ora em árabe, estabeleça relações de confiança de ambos os "lados".
O resultado gerou reações controvertidas. Acusado de anti-semitismo, "Rota 181" teve a sessão
de lançamento, em Paris, cancelada. Mas exibido nos cinemas na
França, em Israel, na Alemanha,
Suíça, Itália e Espanha, o filme,
originalmente captado em vídeo
digital, está disponível em DVD
com legendas em seis línguas.
Eyan Sivan falou com a Folha por
telefone de sua casa em Paris.
Folha - Como surgiu a idéia de fazer "Rota 181"?
Eyan Sivan - Foi durante a invasão de Jenin na primavera de
2002. Era uma época muito violenta. Havia muita repressão e
muitas bombas suicidas. Nesse
período, conversamos, Michel e
eu, sobre o que o cinema pode fazer em um momento como esse?
Decidimos viajar para entender
como chegamos às barreiras, às
guerras, à barbárie, na própria
geografia local. A idéia era também nos opor à "solução progressista", que é separação, para propor um outro caminho, que seria
o de uma luta comum.
Folha - Como foi a experiência de
co-dirigir com um palestino?
Sivan - A experiência de co-direção é difícil e muito interessante.
Com um palestino é ainda mais
interessante porque nós aprendemos um com o outro, o que significa ser o outro. Não se trata aqui
de defender um ou outro ponto
de vista, mas de tentar construir
juntos uma narrativa comum.
Folha - Além de "Rota 181", documentários como "Promessas" e
"Muro" procuram maneiras alternativas para falar do conflito israelo-palestino, sem reproduzir preconceitos. Você diria que há um
movimento nesse sentido?
Sivan - Há a consciência de que
somos responsáveis inclusive pela
maneira como falamos do conflito. Acho que a missão é se opor à
notícia. O documentário pode
usar o tempo para ir cada vez
mais fundo, até a raiz do conflito.
Acho também que há uma grande
diferença entre objetividade e
neutralidade. Talvez a novidade
nesses filmes seja que gente como
Simone Bitton que fez "Muro" é
engajada.
Folha - Ouvimos a voz de vocês,
mas não sabemos quando é um e
quando é o outro. Por que vocês
não aparecem na tela?
Sivan - Não somos atores, somos
diretores. Aparecemos o suficiente pelas nossas vozes e por nossa
edição, por nossa escolha de ângulo de filmagem, de pessoas a serem entrevistadas.
Folha - Você pensa no seu trabalho como ativismo?
Sivan - Eu não sei o que significaria fazer cinema político sem
ser um ativista político. Eu tenho
tentado ser ativo tanto nas questões culturais quanto nas questões políticas. Considero que meu
projeto cinematográfico -do
meu primeiro filme sobre os refugiados palestinos, até meu último
filme sobre a repressão na Alemanha Oriental- pode ser lido como ativismo.
Folha - Há uma guerra fragmentada que ocorre simultaneamente
em diversas frentes. Até que ponto
essa é também uma guerra de imagens?
Sivan - Há um excesso de imagens. O que desejamos não é a
multiplicação da imagem, mas a
multiplicação de ângulos. Se você
está do lado da vítima, ou do algoz, você não vê as mesmas coisas. Para ter uma idéia sobre a realidade, precisa-se dos dois lados.
Folha - Nesse sentido, a feitura do
filme -em si mesma- é uma intervenção...
Sivan - Exatamente. Fomos a todos os lugares, com uma equipe
pequena, não nos impusemos
frente às pessoas, lhes demos tempo e procuramos traduzir a experiência em 4,5 horas de filme.
Folha - Como você vê o plano de
Ariel Sharon de retirar as tropas israelenses da faixa de Gaza?
Sivan - O plano dele transforma
Gaza em uma prisão. Todos os
acessos, por terra, por mar ou pelo ar, estariam nas mãos dos israelenses. Se ele realmente levar o
plano a cabo, estaria criando uma
enorme prisão em espaço aberto.
De outro lado a segunda parte da
proposta dele é a anexação de novas partes. Então se você me perguntar se eu sou a favor do plano,
eu sou contra.
Folha - Você esteve recentemente em Israel para o lançamento do
filme, como foi a recepção?
Sivan - O filme foi recebido com
muito interesse, paciência e um
grande debate. O momento lá é
especialmente rico para reflexão.
Há a sensação de que pequenos
segredos históricos, como o de
1948, contribuem para o país estar
na situação em que está hoje. Nesse momento de conscientização o
filme gerou um debate fascinante.
Será lançado em diversos cinemas. O DVD também está sendo
vendido em Israel. Essa recepção
tem sido muito importante.
Folha - Há planos de exibir "Rota
181" no Brasil?
Sivan - Espero que como em outras partes do mundo, um distribuidor brasileiro se interesse pelo
filme, para o cinema, no circuito
educacional, e é claro na TV, pois
o filme pode ser exibido em partes
como foi em uma série de países.
Eu adoraria que o filme fosse visto
no Brasil.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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