São Paulo, sábado, 09 de janeiro de 2010

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Grupo encena Ibsen inédito no Brasil

Cia. Les Commediens Tropicales estreia hoje montagem de "O Pato Selvagem"

Texto flagra fim de jogo de aparências numa família, a partir da chegada de um visitante; trupe também realiza mostra de repertório


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Sem essa de tristes trópicos. Desde 2003, a companhia Les Commediens Tropicales, de Campinas, encena as idiossincrasias das terras abaixo do Equador com irreverência -e sustentando no palco uma cadência que joga para a coxia todo traço de melancolia.
"Chalaça - A Peça" parte da biografia e do círculo de relações de Francisco Gomes da Silva, o braço direito de d. Pedro 1º que empresta o apelido ao título, para desenterrar as raízes da má conduta crônica dos homens de política por estas bandas. "2º D. Pedro 2º" extrai das impressões díspares de historiadores sobre o primeiro imperador nascido no Brasil a pergunta: o quanto há de factual e de construção mítica na história que aprendemos?
Ao lado de "A Última Quimera", ensaio sobre as marcas que um artista inscreve na história apoiado na vida do poeta pré-modernista Augusto dos Anjos (1884-1914), os espetáculos compõem uma mostra de repertório que o grupo apresenta a partir da próxima sexta, no Sesc Santana (veja ao lado).
Antes, a trupe deixa temporariamente de lado o revisionismo histórico temperado pela galhofa para se lançar à desconstrução de um texto dramatúrgico. É "O Pato Selvagem", do norueguês Henrik Ibsen (1828-1906), peça até aqui inédita no país que ganha montagem em cartaz a partir de hoje.
""Bateu" um enfado de conteúdo, depois de tanta leitura e pesquisa. O que não significa que o grupo tenha se despolitizado", diz o ator Carlos Canhameiro, que também assina a versão final do texto. "Queríamos um trabalho mais imagético, com menos informação", completa a atriz Paula Mirhan.
Na busca por um enredo que convidasse ao desmonte ("gostamos do não personagem, do descompromisso com fábula", explica Canhameiro), os Commediens visitaram Tchekhov, mas acabaram batendo à porta do autor de "Casa de Bonecas", por sugestão do diretor Márcio Aurélio, parceiro reincidente.

Marteladas na mentira
Ibsen descansa num túmulo ornado com a imagem de uma mão brandindo um martelo, segundo conta o teatrólogo americano John Gassner em "Mestres do Teatro" (ed. Perspectiva). Aceno à sua participação eventual na demolição de edificações condenadas. Também metáfora de seu hábito de jogar por terra, como um viking do teatro, o jogo de aparências e meias-verdades burguesas.
Não será diferente em "O Pato Selvagem", em que o idealista exacerbado Gregers aluga um quarto na casa do amigo de infância Hjalmar para soprar o castelo de cartas em que se baseia a vida deste -e no qual Hakon, pai do primeiro, surgirá como coringa macabro. Gregers, que se quer um paladino da verdade, mina as certezas de Haljmar sobre sua mulher, sua filha e seu pai, um ex-sócio de Hakon condenado num processo do qual o outro se safou.
Em sua adaptação, o grupo faz cortes e reescrituras do original, mudam nomes, atualizam referências (a filha de Haljmar, antes devoradora de livros, é agora fixada em internet) e, é claro, brincam. Presos a avatares que escamoteiam quem de fato são, os personagens desfilam com perucas à bonecos Playmobil e gestual inspirado no game "The Sims".
Para os Commediens Tropicales, nem a Escandinávia é tão triste assim.


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