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Grupo encena Ibsen inédito no Brasil
Cia. Les Commediens Tropicales estreia hoje montagem de "O Pato Selvagem"
Texto flagra fim de jogo de aparências numa família, a partir da chegada de um visitante; trupe também realiza mostra de repertório
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Sem essa de tristes trópicos.
Desde 2003, a companhia Les
Commediens Tropicales, de
Campinas, encena as idiossincrasias das terras abaixo do
Equador com irreverência -e
sustentando no palco uma cadência que joga para a coxia todo traço de melancolia.
"Chalaça - A Peça" parte da
biografia e do círculo de relações de Francisco Gomes da
Silva, o braço direito de d. Pedro 1º que empresta o apelido
ao título, para desenterrar as
raízes da má conduta crônica
dos homens de política por estas bandas. "2º D. Pedro 2º" extrai das impressões díspares de
historiadores sobre o primeiro
imperador nascido no Brasil a
pergunta: o quanto há de factual e de construção mítica na
história que aprendemos?
Ao lado de "A Última Quimera", ensaio sobre as marcas que
um artista inscreve na história
apoiado na vida do poeta pré-modernista Augusto dos Anjos
(1884-1914), os espetáculos
compõem uma mostra de repertório que o grupo apresenta
a partir da próxima sexta, no
Sesc Santana (veja ao lado).
Antes, a trupe deixa temporariamente de lado o revisionismo histórico temperado pela galhofa para se lançar à desconstrução de um texto dramatúrgico. É "O Pato Selvagem",
do norueguês Henrik Ibsen
(1828-1906), peça até aqui inédita no país que ganha montagem em cartaz a partir de hoje.
""Bateu" um enfado de conteúdo, depois de tanta leitura e
pesquisa. O que não significa
que o grupo tenha se despolitizado", diz o ator Carlos Canhameiro, que também assina a
versão final do texto. "Queríamos um trabalho mais imagético, com menos informação",
completa a atriz Paula Mirhan.
Na busca por um enredo que
convidasse ao desmonte ("gostamos do não personagem, do
descompromisso com fábula",
explica Canhameiro), os Commediens visitaram Tchekhov,
mas acabaram batendo à porta
do autor de "Casa de Bonecas",
por sugestão do diretor Márcio
Aurélio, parceiro reincidente.
Marteladas na mentira
Ibsen descansa num túmulo
ornado com a imagem de uma
mão brandindo um martelo, segundo conta o teatrólogo americano John Gassner em "Mestres do Teatro" (ed. Perspectiva). Aceno à sua participação
eventual na demolição de edificações condenadas. Também
metáfora de seu hábito de jogar
por terra, como um viking do
teatro, o jogo de aparências e
meias-verdades burguesas.
Não será diferente em "O Pato Selvagem", em que o idealista exacerbado Gregers aluga
um quarto na casa do amigo de
infância Hjalmar para soprar o
castelo de cartas em que se baseia a vida deste -e no qual Hakon, pai do primeiro, surgirá
como coringa macabro. Gregers, que se quer um paladino
da verdade, mina as certezas de
Haljmar sobre sua mulher, sua
filha e seu pai, um ex-sócio de
Hakon condenado num processo do qual o outro se safou.
Em sua adaptação, o grupo
faz cortes e reescrituras do original, mudam nomes, atualizam referências (a filha de
Haljmar, antes devoradora de
livros, é agora fixada em internet) e, é claro, brincam. Presos
a avatares que escamoteiam
quem de fato são, os personagens desfilam com perucas à
bonecos Playmobil e gestual
inspirado no game "The Sims".
Para os Commediens Tropicales, nem a Escandinávia é tão
triste assim.
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