São Paulo, sábado, 9 de janeiro de 1999

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TRECHOS

"A que epifanias de enigmáticos Deuses o destino me conduzia? Por que, aos 30 anos, quando a ciência me assegurava um futuro tranquilo e respeitável, abandonei tudo em troca de um deserto escuro e solitário? Não sei. Sempre e sempre, como um náufrago entre obscuras tempestades, parti com rumo incerto, sem divisar sequer a existência de uma ilha remota. Ao olhar para trás, reitero novamente aquela prece de Baudelaire: "Oh, Senhor! Dai-me força e coragem para contemplar sem asco meu corpo e meu coração!".
Ainda que seja terrível compreendê-lo, a vida se faz em rascunho, e não nos é dado corrigir suas páginas.
E quando leio a carta que me enviou uma jovem de 19 anos, em que diz que me admira e que, apesar de viver a poucas quadras, nunca se atreveu a se aproximar, sinto vergonha. Que bela carta! Tão nobre e ao mesmo tempo tão triste! Diz que a ajudo a viver, que está pintando e que gostaria de me mostrar algum dia o que faz; quando passa por minha casa e vê o jardim abandonado, sempre sonha em encontrar-me. E eu me sinto envergonhado, porque ela me põe lá no alto, quando talvez eu valha bem menos que ela, tão pura, tão genuína. Em troca, eu, um ser infestado de gravíssimos defeitos, com personagens tão sinistros como Fernando Vidal Olmos. Mas também tremi escrevendo esses fragmentos em que aparecem seres infinitamente bondosos, como Hortensia Paz, o caminhoneiro Busich ou o louco Barragán, o profeta de bairro. Aqueles seres modestos, esses analfabetos cheios de bondade e os jovens com sua cândida esperança são os que me salvarão. Em troca, todo o resto, as precárias hipóteses, as idéias e teorias dos ensaios, não servem para justificar a existência."

"Os jovens sofrem: já não querem mais ter filhos. Não há ceticismo maior. Assim como os animais no cativeiro, nossas jovens gerações não se arriscam a ser pais.Tal é o estado do mundo que lhes estamos entregando.
A anorexia, a bulimia, as drogas e a violência são outros dos sinais deste tempo de angústia, reações ao desprezo pela vida daqueles que nos comandam.
Como poderíamos explicar aos nossos avós que levamos a vida a uma tal situação que muitos dos jovens se deixam morrer porque não comem ou vomitam os alimentos? Por falta de apetite pela vida ou para cumprir o mandato que a TV nos inculca: a magreza histérica."



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