|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Política abalou reputação
especial para a Folha
O argentino Julio Cortázar (Bruxelas, 1914 - Paris,
1984) foi, nos anos 60 e 70,
um verdadeiro ídolo para
hordas de jovens leitores.
Seus livros de contos
"Bestiário" (1951), "Final de
Jogo" (1956), "As Armas Secretas" (1958) e a obra-prima "O Jogo da Amarelinha"
(1963) foram referência
obrigatória para uma juventude formada por Antonioni (cujo filme "Blow Up"
é uma adaptação livre de
uma das narrativas do autor), Godard e maio de 68.
De repente, seu nome caiu
em desuso (ou pelo menos
no esquecimento) nos cânones dos leitores bem-pensantes. Por quê? Há
duas explicações possíveis.
Primeiro, porque, à distância, o lugar da obra, sobretudo os romances, foi
sendo colocado em dúvida.
Muitos passaram a ver no
Cortázar de "O Livro de
Manuel" (1973), por exemplo, um escritor supervalorizado, o que teve influência
negativa na recepção da totalidade da obra.
E, segundo, porque algumas das posições políticas a
que o autor se manteve fiel
com o passar dos anos, defendendo-as ativamente
mesmo quando estas se tornaram passíveis de questionamento, podem ter comprometido injustamente a
percepção da sua produção
literária. É o caso de seu
compromisso com a defesa
da revolução cubana, mesmo depois de confrontado
com o relato de escritores
cubanos exilados.
O que no jovem Cortázar
parecia um projeto radical
de integração com a obra (a
literatura como ação e vida,
em que a política passava a
ser a própria obra, como fica claro em "Teoria do Túnel") se desintegra na maturidade do escritor. Agora,
ao largo da literatura, o escritor sai em defesa de causas como a revolução nicaraguense.
Se por um lado, como
pragmatismo político, essa
última opção é bem menos
idealista e romântica -e
provavelmente mais eficaz- que a do jovem Cortázar, por outro é também
muito mais convencional
do ponto de vista literário,
ao abdicar da ilusão de uma
literatura "revolucionária"
em si e por si. Seria um
equívoco crasso julgar a
obra de um autor pelas palavras proferidas pelo próprio em outras bandas.
Numa crônica de "Último
Round" (1969), o narrador,
num churrasco de fim-de-semana, passa a ver entre as
crianças uma jovem, Silvia,
que os outros adultos lhe
garantem ser obra da pura
imaginação infantil. É por
essa imaginação que se deve
julgar a obra de Cortázar -
e relê-la. Pela sua capacidade de fazer o leitor ver mundos (e a vida como jogo)
que muitas vezes os adultos
não vêem.
(BC)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|