São Paulo, sábado, 9 de janeiro de 1999

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Política abalou reputação

especial para a Folha

O argentino Julio Cortázar (Bruxelas, 1914 - Paris, 1984) foi, nos anos 60 e 70, um verdadeiro ídolo para hordas de jovens leitores.
Seus livros de contos "Bestiário" (1951), "Final de Jogo" (1956), "As Armas Secretas" (1958) e a obra-prima "O Jogo da Amarelinha" (1963) foram referência obrigatória para uma juventude formada por Antonioni (cujo filme "Blow Up" é uma adaptação livre de uma das narrativas do autor), Godard e maio de 68.
De repente, seu nome caiu em desuso (ou pelo menos no esquecimento) nos cânones dos leitores bem-pensantes. Por quê? Há duas explicações possíveis.
Primeiro, porque, à distância, o lugar da obra, sobretudo os romances, foi sendo colocado em dúvida. Muitos passaram a ver no Cortázar de "O Livro de Manuel" (1973), por exemplo, um escritor supervalorizado, o que teve influência negativa na recepção da totalidade da obra.
E, segundo, porque algumas das posições políticas a que o autor se manteve fiel com o passar dos anos, defendendo-as ativamente mesmo quando estas se tornaram passíveis de questionamento, podem ter comprometido injustamente a percepção da sua produção literária. É o caso de seu compromisso com a defesa da revolução cubana, mesmo depois de confrontado com o relato de escritores cubanos exilados.
O que no jovem Cortázar parecia um projeto radical de integração com a obra (a literatura como ação e vida, em que a política passava a ser a própria obra, como fica claro em "Teoria do Túnel") se desintegra na maturidade do escritor. Agora, ao largo da literatura, o escritor sai em defesa de causas como a revolução nicaraguense.
Se por um lado, como pragmatismo político, essa última opção é bem menos idealista e romântica -e provavelmente mais eficaz- que a do jovem Cortázar, por outro é também muito mais convencional do ponto de vista literário, ao abdicar da ilusão de uma literatura "revolucionária" em si e por si. Seria um equívoco crasso julgar a obra de um autor pelas palavras proferidas pelo próprio em outras bandas.
Numa crônica de "Último Round" (1969), o narrador, num churrasco de fim-de-semana, passa a ver entre as crianças uma jovem, Silvia, que os outros adultos lhe garantem ser obra da pura imaginação infantil. É por essa imaginação que se deve julgar a obra de Cortázar - e relê-la. Pela sua capacidade de fazer o leitor ver mundos (e a vida como jogo) que muitas vezes os adultos não vêem. (BC)



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