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CINEMA/ESTRÉIAS
"MEU MELHOR INIMIGO"
Werner Herzog filma sua relação com Klaus Kinski
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
Se não fosse por Werner Herzog, Klaus Kinski nunca seria
conhecido como, provavelmente,
o maior ator alemão de cinema
desde o pós-guerra. Teria seu nome ligado, quando muito, à figura
vilanesca de certos faroestes espaguete, em geral vagabundos.
Não que, com Herzog, Kinski
tenha abandonado a postura de
vilão: ele foi o ensandecido Aguirre, de "Aguirre, a Cólera dos Deuses" (1972), o temível vampiro em
"Nosferatu" (1979), o visionário
Brian Fitzgerald, de "Fitzcarraldo" (1982). Os papéis mais marcantes de sua vasta filmografia foram em parceria com Herzog.
No campo de filmagem, Kinski
era uma carne de pescoço. Já se
conhecia a história de "Aguirre".
Com a filmagem em pleno andamento, Klaus Kinski resolveu,
simplesmente, abandonar o trabalho e deixar a Amazônia.
Só mudou de idéia porque Herzog lhe apontou uma arma de fogo e disse, com seu jeito calmo,
que, se quisesse sair dali, sairia,
mas morto. Herzog conta pessoalmente o episódio em "Meu
Melhor Inimigo" e completa: "E
eu teria mesmo atirado".
Quer dizer: para louco, louco e
meio. E Werner Herzog nunca foi
conhecido por ser muito equilibrado. Talvez venha daí a química
fabulosa que rendeu alguns dos
melhores filmes do cinema alemão recente. Para que tudo desse
certo no final, talvez fosse necessário que as relações entre Herzog
e Kinski fossem sempre tempestuosas.
Daí vem também boa parte do
encanto deste filme-homenagem
ao ator (que morreu em 1991).
Herzog empenha-se sinceramente em nos fazer conhecer como
era Klaus Kinski, seu jeito irado
(desde a juventude, quando ainda
era candidato a ator), seu brilho e
sua personalidade única.
Mas não apenas isso. "Meu Melhor Inimigo" também se detém
sobre a técnica de Kinski e, nesse
sentido, é uma magnífica aula de
interpretação no cinema.
No entanto, é desse título estranho que vem o essencial do filme.
Todo mundo tem um amigo especial. Poucos têm um inimigo do
peito como Klaus Kinski. Isto é, a
afinidade entre ambos parecia vir
não das semelhanças, mas daquilo que os diferenciava.
Kinski era, com o perdão do lugar-comum, um vulcão em atividade permanente, sempre questionando o mundo. Herzog é, ao
contrário, um contemplativo, que
observa o mundo e suas bizarrices, que as aceita e trabalha a partir delas.
Por isso mesmo Kinski, mais
que ator, era, já em vida, um personagem de Herzog. Morto, essa
condição chega a uma espécie de
plenitude. É como se Herzog sentisse a morte de seu melhor inimigo -de seu antípoda- como sua
própria morte. Talvez daí venha o
carinho que o filme transmite, como se quisesse recuperar essa vida que foi, na verdade, um pesadelo.
Daí também esse movimento
ambíguo do filme: em princípio
um documentário, ele parece trabalhar não com a "realidade" de
Kinski, mas com sua irrealidade,
com tudo o que faz dele um personagem, um ser de ficção. E, diga-se logo, de uma ficção fantástica e alucinada.
Meu Melhor Inimigo
Mein Liebster Feind
Direção: Werner Herzog
Produção: Alemanha, 1998
Quando: a partir de hoje na Sala UOL de
Cinema
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