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Crítica/"Neuropolis"
Livio Tragtenberg cria disco "nervoso" com músicos de rua
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Ninguém escuta um disco desses para se embevecer. Escuta para
se surpreender, escuta para cismar e ponderar sobre a música
e muito mais que a música. Não
é pouca coisa e dá bem o espírito do trabalho da Orquestra dos
Músicos das Ruas de São Paulo,
que desde 2004 vem fazendo
história na cidade, sob a direção
do compositor e saxofonista Livio Tragtenberg.
São 16 músicos, representando tradições diversas, que vão
da harpa paraguaia ao forró
nordestino. Alguns tocam na
rua mesmo, como os repentistas Peneira e Sonhador, que se
apresentam na praça da Sé, ou
Jorge do Cavaco e Franco, que
há mais de 20 anos tocam na
rua 15 de Novembro, ou ainda
Emerson Boy, saxofonista ligado a grupos de teatro de rua.
Outros tocam em restaurantes, em grupos de mariachi e/
ou música latina. Verinho é
sanfoneiro, conhecido dos novos forrós "universitários"; Yuko Ogura (76 anos) dá aulas de
sanguen, uma espécie de banjo;
Reiko Nagase é professora de
koto, da Associação Brasileira
de Música Clássica Japonesa.
O próprio nome da orquestra
já sugere a medida da estranheza, com seu tamanho espichado
e a seqüência de "s" difíceis de
pronunciar. Criada para o concerto de inauguração da Galeria
Olido, a OMRSP -tente pronunciar: o nome resiste à sigla,
como resiste a quase todos os
automáticos hábitos mercadológicos da "indústria cultural"- chega agora ao primeiro
disco, batizado com o mesmo
nome daquele concerto, "Neuropolis".
Orquestras nervosas
Nada a ver com "neurose",
segundo Livio. São os "nervos
da cidade", invisíveis de fora,
mas que fazem o corpo funcionar. No projeto análogo que ele
criou recentemente em Miami,
a expressão ganha acento levemente diverso: Nervous City
Orchestra. De qualquer modo,
são duas orquestras nervosas
de cidades neuróticas.
A música não é uma coisa
nem outra. Seu princípio básico é o choque: diferenças justapostas simultânea ou sucessivamente. É a vida na metrópole, onde critérios de gosto também não têm maior vigência,
fora de cada grupo. Música esquizofônica. Acolhe imagens de
mundo e vai se deixando levar
por um ou outro caminho.
Em vários casos, o resultado
é estranhamente contundente,
num registro pós-tropicalista
que também atualiza, a seu modo, as militâncias da vanguarda
heróica da nossa música de
concerto. Se tudo corre sempre
o grande risco de descambar no
pitoresco, isso faz parte da
aventura; e o risco foi assumido
com consciência. A maior parte
desses músicos não exibe nem
pretende exibir especial perícia. Pedem para ser ouvidos de
outro modo, mensageiros do
inconsciente musical coletivo.
Ninguém, então, escuta um
disco desses para se embevecer. Mas é um disco que deixa
cismado e deixa nervoso. Não é
pouca coisa, na batalha eterna
contra a pasmaceira.
NEUROPOLIS
Gravadora: Sesc
Quanto: R$ 25
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