São Paulo, sexta-feira, 09 de fevereiro de 2007

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Crítica/"Neuropolis"

Livio Tragtenberg cria disco "nervoso" com músicos de rua

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Ninguém escuta um disco desses para se embevecer. Escuta para se surpreender, escuta para cismar e ponderar sobre a música e muito mais que a música. Não é pouca coisa e dá bem o espírito do trabalho da Orquestra dos Músicos das Ruas de São Paulo, que desde 2004 vem fazendo história na cidade, sob a direção do compositor e saxofonista Livio Tragtenberg.
São 16 músicos, representando tradições diversas, que vão da harpa paraguaia ao forró nordestino. Alguns tocam na rua mesmo, como os repentistas Peneira e Sonhador, que se apresentam na praça da Sé, ou Jorge do Cavaco e Franco, que há mais de 20 anos tocam na rua 15 de Novembro, ou ainda Emerson Boy, saxofonista ligado a grupos de teatro de rua.
Outros tocam em restaurantes, em grupos de mariachi e/ ou música latina. Verinho é sanfoneiro, conhecido dos novos forrós "universitários"; Yuko Ogura (76 anos) dá aulas de sanguen, uma espécie de banjo; Reiko Nagase é professora de koto, da Associação Brasileira de Música Clássica Japonesa.
O próprio nome da orquestra já sugere a medida da estranheza, com seu tamanho espichado e a seqüência de "s" difíceis de pronunciar. Criada para o concerto de inauguração da Galeria Olido, a OMRSP -tente pronunciar: o nome resiste à sigla, como resiste a quase todos os automáticos hábitos mercadológicos da "indústria cultural"- chega agora ao primeiro disco, batizado com o mesmo nome daquele concerto, "Neuropolis".

Orquestras nervosas
Nada a ver com "neurose", segundo Livio. São os "nervos da cidade", invisíveis de fora, mas que fazem o corpo funcionar. No projeto análogo que ele criou recentemente em Miami, a expressão ganha acento levemente diverso: Nervous City Orchestra. De qualquer modo, são duas orquestras nervosas de cidades neuróticas.
A música não é uma coisa nem outra. Seu princípio básico é o choque: diferenças justapostas simultânea ou sucessivamente. É a vida na metrópole, onde critérios de gosto também não têm maior vigência, fora de cada grupo. Música esquizofônica. Acolhe imagens de mundo e vai se deixando levar por um ou outro caminho.
Em vários casos, o resultado é estranhamente contundente, num registro pós-tropicalista que também atualiza, a seu modo, as militâncias da vanguarda heróica da nossa música de concerto. Se tudo corre sempre o grande risco de descambar no pitoresco, isso faz parte da aventura; e o risco foi assumido com consciência. A maior parte desses músicos não exibe nem pretende exibir especial perícia. Pedem para ser ouvidos de outro modo, mensageiros do inconsciente musical coletivo.
Ninguém, então, escuta um disco desses para se embevecer. Mas é um disco que deixa cismado e deixa nervoso. Não é pouca coisa, na batalha eterna contra a pasmaceira.


NEUROPOLIS    
Gravadora: Sesc
Quanto: R$ 25


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