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"O GUIA DA MULHER SUPERIOR"
"Síndrome do segundo livro" afeta 02 Neurônio
BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Elas estão de volta. "O Guia
da Mulher Superior" é mais
um empreendimento do 02 Neurônio Inc., uma organização tentacular do pós-feminismo pop,
que compreende um site, uma coluna semanal no Folhateen e outras publicações esparsas (o Inc. é
brincadeira, claro). E pensar que
tudo isso nasceu de um fanzine
clássico, de periodicidade errática, cara suja e linguagem cifradas.
É essa sujeira, essa aleatoriedade
do fanzine, presentes no primeiro
volume (Almanaque das Garotas
Calientes, de 99), que se perde um
pouco nesse segundo volume.
Sim, isso é a síndrome da crítica
do segundo disco, mas faz parte e
não poderia ser lá muito diferente: em vez de reunir textos do fanzine, em "O Guia da Mulher Superior" elas selecionaram textos entre aqueles que foram produzidos
e publicados com regularidade e
sob pressão de prazos na coluna
do Folhateen e no site. Por isso, o
tom geral ficou menos anárquico
e as ilustrações e o projeto gráfico,
mais caretas. Os textos estão
"quase" organizados em tópicos
como num livro de auto-ajuda e
começa a aparecer um certo abuso da auto-referência.
Mas, apesar de não ter mais "o
frescor da estréia", como elas próprias ironizam em "A Síndrome
do Segundo Disco", elas continuam engraçadas e bem-humoradas, o que é um eufemismo cafona para designar uma coisa que
tenta ser cômica e acaba sendo, no
limite, simpática. Jô Hallack, Nina
Lemos e Raq Affonso não são
simplesmente engraçadinhas,
mas sabem fazer rir e, sobretudo,
riem muito delas mesmas.
E, sim, para além da graça, há
espírito: elas inventaram um jeito
moderno de falar sobre assuntos
ditos femininos, coisas como namorados, relacionamento, sexo,
vida prática, sexo, dietas, moda,
consumo e, como não esquecer,
sexo. São os mesmos assuntos
presentes na maioria das publicações ditas femininas, feitas por
mulheres e vendidas para mulheres, mas que em sua maioria só
reiteram o discurso machista e estimulam a paranóia (a celulite! a
gordura localizada! as rugas!).
Nas mãos das meninas, entretanto, tais assuntos são tratados
de forma mais direta, mais desbocada (não no sentido chulo, que
elas são finas). Traduzem-se em
coisa do tipo fazer ou não sexo
oral no primeiro encontro (resposta 02 Neurônio: "Bom, isso depende se você está a fim ou não.
Eu sou da teoria de que já que está
transando, que transe direito! Então faça tudo que tem vontade, incluindo aí o sexo oral"), como dar
um barraco sem deixar de ser chique (regra 02 Neurônio: "Bater o
telefone na cara de um pretê que
vacilou é uma atitude louvável") e
assim por diante. É que, querendo
ou não tal responsabilidade, elas
são feministas. É um feminismo
pop e pós, leviano por vezes, justamente revoltado em outras vezes, mas que, sobretudo, aprendeu a ser auto-irônico. Por fim,
não há como negar que a prática
leva, se não à perfeição, pelo menos a um certo apuro. Vez por outra, ao longo do livro aparecem
textos que são verdadeiros achados, como "Minha Lista Preferida
de Traumas Infantis", "De Onde
Vêm os Bebês" e "Névoa Assassina", verdadeiras crônicas desses
tempos esquisitos nas quais
emerge uma verve feminina inédita. Coisa de mulher superior.
O Guia da Mulher Superior
Autor: Jô Hallack, Nina Lemos e Raq
Affonso
Editora: Record
Quanto: R$ 25 (190 págs.)
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