São Paulo, sábado, 09 de março de 2002

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"O GUIA DA MULHER SUPERIOR"

"Síndrome do segundo livro" afeta 02 Neurônio

BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Elas estão de volta. "O Guia da Mulher Superior" é mais um empreendimento do 02 Neurônio Inc., uma organização tentacular do pós-feminismo pop, que compreende um site, uma coluna semanal no Folhateen e outras publicações esparsas (o Inc. é brincadeira, claro). E pensar que tudo isso nasceu de um fanzine clássico, de periodicidade errática, cara suja e linguagem cifradas.
É essa sujeira, essa aleatoriedade do fanzine, presentes no primeiro volume (Almanaque das Garotas Calientes, de 99), que se perde um pouco nesse segundo volume. Sim, isso é a síndrome da crítica do segundo disco, mas faz parte e não poderia ser lá muito diferente: em vez de reunir textos do fanzine, em "O Guia da Mulher Superior" elas selecionaram textos entre aqueles que foram produzidos e publicados com regularidade e sob pressão de prazos na coluna do Folhateen e no site. Por isso, o tom geral ficou menos anárquico e as ilustrações e o projeto gráfico, mais caretas. Os textos estão "quase" organizados em tópicos como num livro de auto-ajuda e começa a aparecer um certo abuso da auto-referência.
Mas, apesar de não ter mais "o frescor da estréia", como elas próprias ironizam em "A Síndrome do Segundo Disco", elas continuam engraçadas e bem-humoradas, o que é um eufemismo cafona para designar uma coisa que tenta ser cômica e acaba sendo, no limite, simpática. Jô Hallack, Nina Lemos e Raq Affonso não são simplesmente engraçadinhas, mas sabem fazer rir e, sobretudo, riem muito delas mesmas.
E, sim, para além da graça, há espírito: elas inventaram um jeito moderno de falar sobre assuntos ditos femininos, coisas como namorados, relacionamento, sexo, vida prática, sexo, dietas, moda, consumo e, como não esquecer, sexo. São os mesmos assuntos presentes na maioria das publicações ditas femininas, feitas por mulheres e vendidas para mulheres, mas que em sua maioria só reiteram o discurso machista e estimulam a paranóia (a celulite! a gordura localizada! as rugas!).
Nas mãos das meninas, entretanto, tais assuntos são tratados de forma mais direta, mais desbocada (não no sentido chulo, que elas são finas). Traduzem-se em coisa do tipo fazer ou não sexo oral no primeiro encontro (resposta 02 Neurônio: "Bom, isso depende se você está a fim ou não. Eu sou da teoria de que já que está transando, que transe direito! Então faça tudo que tem vontade, incluindo aí o sexo oral"), como dar um barraco sem deixar de ser chique (regra 02 Neurônio: "Bater o telefone na cara de um pretê que vacilou é uma atitude louvável") e assim por diante. É que, querendo ou não tal responsabilidade, elas são feministas. É um feminismo pop e pós, leviano por vezes, justamente revoltado em outras vezes, mas que, sobretudo, aprendeu a ser auto-irônico. Por fim, não há como negar que a prática leva, se não à perfeição, pelo menos a um certo apuro. Vez por outra, ao longo do livro aparecem textos que são verdadeiros achados, como "Minha Lista Preferida de Traumas Infantis", "De Onde Vêm os Bebês" e "Névoa Assassina", verdadeiras crônicas desses tempos esquisitos nas quais emerge uma verve feminina inédita. Coisa de mulher superior.


O Guia da Mulher Superior    
Autor: Jô Hallack, Nina Lemos e Raq Affonso
Editora: Record
Quanto: R$ 25 (190 págs.)




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