São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasileiros (que nem nós) ganham exposição em SP


A diretora teatral Bia Lessa abre hoje na Faap "Brasileiros Que Nem Eu. Que Nem Quem?", mostra multifacetada que vai dos índios e dos presos do Carandiru à poesia de Noel Rosa


Lili Martins/Folha Imagem
A curadora Bia Lessa, inserida em painel fotográfico de Milton Dines, que está na exposição "Brasileira Que Nem Eu, Que Nem Quem?


FRANCESCA ANGIOLILLO
free-lance para a Folha

São Paulo recebe hoje uma visão inquieta dos 500 anos do Brasil: a exposição "Brasileiro Que Nem Eu. Que Nem Quem?", nome inspirado no poema "Descobrimento", de Mario de Andrade (1893-1945), que traz para a data o olhar não-historicista de Bia Lessa.
A mostra será inaugurada às 20h na Faap, com Jamelão cantando o samba-enredo da Mangueira de 99 -cujo tema era a história do samba- enquanto hasteia a bandeira nacional na presença de dona Ruth Cardoso: uma abertura sincrética, como convém a um evento que discute a "brasilidade".
"Não dá para você ver o Brasil só do ponto de vista histórico. Tem o ponto de vista artístico, o ponto de vista cultural, o ponto de vista do cotidiano, dos costumes... É um emaranhado de coisas. Eu acho que é empobrecedor definir por um ângulo só", diz Bia Lessa.
Conhecida pelos trabalhos em teatro ("Orlando") e cinema ("Crede-Mi"), a diretora traz a São Paulo dez ambientes que reúnem todo tipo de manifestação artística e objetos históricos (veja quadro nesta página).
Além disso, haverá uma série de palestras -que Bia chama de depoimentos para evitar dar tom acadêmico aos encontros- para alunos da Faap e convidados, com personalidades como Carla Camurati e Arnaldo Antunes.
Essa é a segunda exposição que ela monta. A primeira foi de criações do estilista Christian Lacroix, em 97, na mesma Faap. Em entrevista à Folha, Bia Lessa falou sobre os conceitos que deram forma à mostra.

DESCOBRIMENTO - "Essa exposição é sobre os 500 anos. São 500 anos de descobrimento do quê? Porque, quando chegaram aqui, já havia uma infinidade de nações indígenas, com uma sofisticação inacreditável; é de fato um descobrimento, mas não necessariamente o início do tal do Brasil."

PERSONAGENS - "Foi um trabalho muito complexo até determinarmos exatamente qual seria o caminho de interação, que personagem era o brasileiro. O brasileiro é você, e você vai estar vendo a exposição. Foi quando a gente pensou em criar a "sala 3x4", uma sala em que você estivesse dentro de uma nação. O (retrato) 3x4 é 3x4 para todo mundo; desde a Cláudia Abreu e o Romário ao João e o Pedro, estão todos iguais, perde o "glamour", vira brasileiro. Além de você se sentir dentro de uma nação, olha para cada uma dessas fotos, vê alguém, vê cada um."

FÓSFOROS - "A primeira coisa era como falar dessas nações indígenas, daquela selva amazônica. Os fósforos todos juntos parecem de fato um campo, uma mata. E tinha acontecido de terem colocado fogo naquele índio em Brasília. Então, para mim, o fósforo queimado ao mesmo tempo é a madeira já totalmente industrializada, queimada, e esses índios que foram todos dizimados. E os fósforos foram reunidos no Carandiru, o que foi uma forma de trazer o Brasil mais ainda para a exposição, esse país que é tão genial e tão trágico, tão belo e tão deprimente."

CAMADAS - "Quando a gente começou a pensar o brasileiro, o homem, a gente via que, quando pegava as obras de arte, ficavam faltando, por exemplo, os documentos. Por isso a exposição é feita de camadas: ao mesmo tempo que você vê uma obra, vê um documento, ouve uma poesia, para que você tenha não três dimensões, mas mais dimensões, para que você não veja um Brasil chapado."

RITUAIS - "O que me interessa são as pessoas e os rituais, como eles são. Estamos no final do milênio, e o homem criou pra ele um universo cultural imenso, em que muitas das coisas que foram criadas já não servem mais."

TOCAR NA VIDA - "Hoje eu sinto que o teatro não é o meio ideal para as coisas que eu quero falar. Como eu estou apaixonada pelo indivíduo, a história da representação é o que menos está me interessando. Os códigos da representação estão tão velhos que eles de fato não significam nada. Eu acho que o interessante é você atravessar essa representação e tocar na vida. O que era muito revolucionário há 20, 30 anos era você representar a realidade; hoje em dia é você olhar a realidade. Quebrar suas fantasias e olhar de fato."

INDIVÍDUOS - "Eu acho que, pela primeira vez na história do homem, ele pode ser indivíduo, alguém que ache alguma coisa por si mesmo. Até então tínhamos os movimentos artísticos, o surrealismo, o tropicalismo. Eram movimentos de alguma forma uníssonos, que juntavam categorias artísticas e estavam ali para dizer determinadas coisas. Não se trata de ser individualista, mas de ser indivíduo: "Como eu olho isso?"."


Mostra: Brasileiro Que Nem Eu. Que Nem Quem? Curadoria: Bia Lessa Onde: Salão Cultural da Faap (r. Alagoas, 903, tel. 011/3662-1662) Vernissage: hoje, às 20h Quando: de ter. a sex., de 10h a 21h; sáb. e dom., de 13h a 18h. Até 9 de abril Quanto: entrada franca


Texto Anterior: Filmes e TV Paga
Próximo Texto: "Acharam" o Brasil! O quê?! Acharam quem?
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.