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COMENTÁRIO
"Acharam" o Brasil! O quê?! Acharam quem?
EDUARDO BUENO
especial para a Folha
Somos fruto de um pequeno assassinato da gramática. Pelo menos é o que garante nosso primeiro
historiador, Francisco Adolfo de
Varnhagen -Visconde de Porto
Seguro para os menos íntimos.
Ensina Varnhagen que "brasileiros" era o nome dado aos homens
engajados no tráfico de pau-brasil,
do mesmo modo que se dizem baleeiros os que vão à pesca das baleias, e que se chamaram negreiros
os que se ocupavam do tráfico dos
africanos negros.
Se as regras gramaticais tivessem
sido corretamente aplicadas, jura
Varnhagen, deveríamos nos chamar de brasilienses ou (Santo
Deus) brasileneses.
Na selva das palavras se embrenha também o próprio nome da
nação. A Pindorama ("Terra das
Palmeiras') dos Tupi virou, no alvorecer de nossa história canônica,
Ilha de Vera Cruz.
O novo nome durou pouco. O
próprio padrinho, Pedro Álvares
Cabral, logo percebeu que não
chegara a uma ilha e trocou a denominação para Terra de Vera
Cruz. Mas Vera Cruz -ou cruz
verdadeira-, corrigiu o rei d. Manoel, era apenas uma: a chamada
Cruz de Mamelar.
O monarca, então, tratou de chamar sua nova possessão de Terra
de Santa Cruz. A determinação
real também não colou: para os
mareantes, mais práticos e mais
diretos, isso aqui era mesmo a Terra dos Papagaios. A vontade popular prevaleceu de 1501 a 1505.
Então, um certo Américo Vespúcio -enviado por d. Manoel para
verificar o que mais, além de papagaios, a nova terra produzia-
veio, viu e concluiu que não havia
por aqui "coisa de metal algum".
Em compensação, disse ele,
abundava o pau-brasil. Nada mais
justo, portanto, que o lugar se chamasse Terra do Brasil. E assim ganhamos o nome de uma árvore (e
ela logo entrou para a lista de espécies em extinção).
O novo nome trouxe uma complicação adicional. Afinal, Brasil
designava também uma ilha mitológica: a fabulosa Hy Brazil, a terra
da bem-aventurança, o paraíso
terreno do monge irlandês São
Brandão. E, exatamente como a
Terra das Palmeiras e dos Papagaios, essa tal Hy Brazil ficava bem
no meio do Atlântico. Seriam uma
e outra a mesma terra?
A verdade é que ninguém sabe
bem que país é esse: se a terra do
pau-de-tinta que substituiu o pau
de Cristo ou se a ilha prometida do
santo asceta que fugiu dos males
do mundo. Ou, ainda, a terra sem
males das migrações tupis.
O que se sabe é que a dita terra
aqui estava bem antes do "achamento". Achamento, aliás, que
ninguém sabe ao certo quem foi o
autor. De qualquer modo, aqui estamos nós, já quase às vésperas de
comemorarmos oficialmente os
primeiros 500. Talvez seja a melhor hora de lembrarmos, mais
uma vez, que a história verdadeira,
geralmente, são outros 500.
Eduardo Bueno é jornalista e autor de "Náufragos, Traficantes e Degredados" e "A Viagem do
Descobrimento" (ambos da editora Objetiva)
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