São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
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COMENTÁRIO
"Acharam" o Brasil! O quê?! Acharam quem?

EDUARDO BUENO
especial para a Folha

Somos fruto de um pequeno assassinato da gramática. Pelo menos é o que garante nosso primeiro historiador, Francisco Adolfo de Varnhagen -Visconde de Porto Seguro para os menos íntimos.
Ensina Varnhagen que "brasileiros" era o nome dado aos homens engajados no tráfico de pau-brasil, do mesmo modo que se dizem baleeiros os que vão à pesca das baleias, e que se chamaram negreiros os que se ocupavam do tráfico dos africanos negros.
Se as regras gramaticais tivessem sido corretamente aplicadas, jura Varnhagen, deveríamos nos chamar de brasilienses ou (Santo Deus) brasileneses.
Na selva das palavras se embrenha também o próprio nome da nação. A Pindorama ("Terra das Palmeiras') dos Tupi virou, no alvorecer de nossa história canônica, Ilha de Vera Cruz.
O novo nome durou pouco. O próprio padrinho, Pedro Álvares Cabral, logo percebeu que não chegara a uma ilha e trocou a denominação para Terra de Vera Cruz. Mas Vera Cruz -ou cruz verdadeira-, corrigiu o rei d. Manoel, era apenas uma: a chamada Cruz de Mamelar.
O monarca, então, tratou de chamar sua nova possessão de Terra de Santa Cruz. A determinação real também não colou: para os mareantes, mais práticos e mais diretos, isso aqui era mesmo a Terra dos Papagaios. A vontade popular prevaleceu de 1501 a 1505.
Então, um certo Américo Vespúcio -enviado por d. Manoel para verificar o que mais, além de papagaios, a nova terra produzia- veio, viu e concluiu que não havia por aqui "coisa de metal algum".
Em compensação, disse ele, abundava o pau-brasil. Nada mais justo, portanto, que o lugar se chamasse Terra do Brasil. E assim ganhamos o nome de uma árvore (e ela logo entrou para a lista de espécies em extinção).
O novo nome trouxe uma complicação adicional. Afinal, Brasil designava também uma ilha mitológica: a fabulosa Hy Brazil, a terra da bem-aventurança, o paraíso terreno do monge irlandês São Brandão. E, exatamente como a Terra das Palmeiras e dos Papagaios, essa tal Hy Brazil ficava bem no meio do Atlântico. Seriam uma e outra a mesma terra?
A verdade é que ninguém sabe bem que país é esse: se a terra do pau-de-tinta que substituiu o pau de Cristo ou se a ilha prometida do santo asceta que fugiu dos males do mundo. Ou, ainda, a terra sem males das migrações tupis.
O que se sabe é que a dita terra aqui estava bem antes do "achamento". Achamento, aliás, que ninguém sabe ao certo quem foi o autor. De qualquer modo, aqui estamos nós, já quase às vésperas de comemorarmos oficialmente os primeiros 500. Talvez seja a melhor hora de lembrarmos, mais uma vez, que a história verdadeira, geralmente, são outros 500.


Eduardo Bueno é jornalista e autor de "Náufragos, Traficantes e Degredados" e "A Viagem do Descobrimento" (ambos da editora Objetiva)


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