São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
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RÉPLICA
Os nossos abacaxis são mais criativos?

SUZANA SINGER
Editora-executiva de Revistas

Em sua coluna de terça-feira passada na Ilustrada, Arnaldo Jabor destrói, sem dó, o filme "A Vida É Bela",definido por ele como um "abacaxi sedutor".
Sua argumentação "antimassificação do cinema" não teria causado maiores estranhezas, não fosse a significativa ausência de comentários sobre "Central do Brasil", que também concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Não se trata de endossar o coro dos que chamaram Jabor de "patriotinha", como ele mesmo disse, mas de perguntar se o filme de Walter Salles também não pode ser enquadrado em praticamente todas as críticas feita pelo articulista a "A Vida É Bela". A saber:
* o filme italiano teria a "receita infalível" para agradar norte-americanos: criancinha, Holocausto e miséria. Em "Central", faltou apenas o segundo elemento;
* ""A Vida É Bela" preencheria os "códigos e repertórios que o americano adotou para o próximo milênio: realismo na trama; identificação projetiva com os personagens; princípio, meio e fim; final feliz ou com uma mensagem de redenção qualquer, que provoque esperança na platéia". Nesse caso, não falta nenhum item ao filme brasileiro: é tão realista que, em alguns momentos, parece documentário; tem personagens carismáticos à vontade e termina com a redenção de um adulto (Dora) por uma criança (Josué);
* a obra de Benigni, ainda segundo Jabor, "finge que é de arte, de autor, com causas sociais ou libertárias", e faz um "populismo caricatural", que seria "colocar vagos traços de desobediência civil camuflando a ignorância política e a crítica banal a males já catalogados". Qualquer desses epítetos poderia ser usado para falar de "Central do Brasil", se considerarmos, por exemplo, a saga de Dora (e seus pequenos furtos e trambiques) como uma forma de denunciar a miséria brasileira;
* ""A Vida É Bela" teria, por conta de sua nacionalidade, um "diferencial multicultural sedutor para as platéias hegemônicas". O filme faria um "cortejo de clichês típicos italianos". Poderíamos dizer o mesmo do filme de Walter Salles: estão lá todos os lugares-comuns, as crianças abandonadas, a violência policial, a religiosidade, as belezas naturais e até a "solidariedade brasileira".
Em meio a lamentos sobre o "crescente emburrecimento do público", Jabor diz que o cinema autoral, verdadeiramente brasileiro, acabou -estaria "globalizado", "travestido" para conseguir atingir o Primeiro Mundo. Seria uma crítica disfarçada a Walter Salles? Se for, o articulista peca pelo excesso de sutileza -ou, dirão os mais cínicos, de corporativismo.
Se a resposta for não, e Jabor considerar "Central do Brasil" uma obra de arte, trata-se de, no mínimo, miopia crítica.
Quem aceita a dicotomia "cinema de resistência x cinema rendido" não tem argumentos para distinguir os dois concorrentes estrangeiros ao Oscar. Se Jabor estiver certo, "Central do Brasil" também é um "abacaxizão sedutor".


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