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RÉPLICA
Os nossos abacaxis são mais criativos?
SUZANA SINGER
Editora-executiva de Revistas
Em sua coluna de terça-feira passada na Ilustrada, Arnaldo Jabor
destrói, sem dó, o filme "A Vida É
Bela",definido por ele como um
"abacaxi sedutor".
Sua argumentação "antimassificação do cinema" não teria causado maiores estranhezas, não fosse
a significativa ausência de comentários sobre "Central do Brasil",
que também concorre ao Oscar de
melhor filme estrangeiro.
Não se trata de endossar o coro
dos que chamaram Jabor de "patriotinha", como ele mesmo disse,
mas de perguntar se o filme de
Walter Salles também não pode ser
enquadrado em praticamente todas as críticas feita pelo articulista
a "A Vida É Bela". A saber:
* o filme italiano teria a "receita
infalível" para agradar norte-americanos: criancinha, Holocausto e
miséria. Em "Central", faltou apenas o segundo elemento;
* ""A Vida É Bela" preencheria os
"códigos e repertórios que o americano adotou para o próximo milênio: realismo na trama; identificação projetiva com os personagens; princípio, meio e fim; final
feliz ou com uma mensagem de redenção qualquer, que provoque
esperança na platéia". Nesse caso,
não falta nenhum item ao filme
brasileiro: é tão realista que, em alguns momentos, parece documentário; tem personagens carismáticos à vontade e termina com a redenção de um adulto (Dora) por
uma criança (Josué);
* a obra de Benigni, ainda segundo Jabor, "finge que é de arte, de
autor, com causas sociais ou libertárias", e faz um "populismo caricatural", que seria "colocar vagos
traços de desobediência civil camuflando a ignorância política e a
crítica banal a males já catalogados". Qualquer desses epítetos poderia ser usado para falar de "Central do Brasil", se considerarmos,
por exemplo, a saga de Dora (e
seus pequenos furtos e trambiques) como uma forma de denunciar a miséria brasileira;
* ""A Vida É Bela" teria, por conta
de sua nacionalidade, um "diferencial multicultural sedutor para
as platéias hegemônicas". O filme
faria um "cortejo de clichês típicos
italianos". Poderíamos dizer o
mesmo do filme de Walter Salles:
estão lá todos os lugares-comuns,
as crianças abandonadas, a violência policial, a religiosidade, as belezas naturais e até a "solidariedade
brasileira".
Em meio a lamentos sobre o
"crescente emburrecimento do
público", Jabor diz que o cinema
autoral, verdadeiramente brasileiro, acabou -estaria "globalizado", "travestido" para conseguir
atingir o Primeiro Mundo. Seria
uma crítica disfarçada a Walter Salles? Se for, o articulista peca pelo
excesso de sutileza -ou, dirão os
mais cínicos, de corporativismo.
Se a resposta for não, e Jabor
considerar "Central do Brasil"
uma obra de arte, trata-se de, no
mínimo, miopia crítica.
Quem aceita a dicotomia "cinema de resistência x cinema rendido" não tem argumentos para distinguir os dois concorrentes estrangeiros ao Oscar. Se Jabor estiver certo, "Central do Brasil" também é um "abacaxizão sedutor".
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