|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O Brasil balança entre "Rui Barbosa" e "Jeca- Tatu"
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
Quando FHC foi eleito, havia
a esperança de que aquele homem culto, com uma posição
crítica de esquerda unida à capacidade de conciliar, seria
nossa salvação. FH era o messias da USP, um "Rui Barbosa", um "José Bonifácio" pós-tudo. Com exceção dos seus colegas de academia, que sempre
o invejaram com sublime descaro, o país suspirava, com
olhos em alvo: "Nosso presidente é o máximo, ganha medalhas no Exterior!".
Nós, os imbecis, arquejávamos de orgulho: "Eu posso ser
uma besta, mas o presidente é
um crânio!" -e batíamos na
cabeça com satisfação. Até
FHC deve ter acreditado que
seria o ponto de equilíbrio entre a velha esquerda fracassada
e o "new deal" do capital. O liberalismo se oferecia como
uma novidade rediviva, depois
de tantos anos de desconfiança: "Sim... talvez... por que
não?"
Talvez o mercado fosse a saída
para séculos de engodos patrimonialistas, com a população
paralisada por um universo escravista, sob uma oligarquia
que botava a culpa os "inimigos
externos". FH trazia um programa de ataque aos vícios ancestrais de nossas instituições
políticas e administrativas.
Só que FH, por erros pessoais
(ou porque talvez seja impossível), não conseguiu travar o
"nobre pacto" entre o desenvolvimento interno, fronteira
aberta e reforma do Estado.
Além disso, o tal "choque de
capitalismo" não vinha inocentemente. A globalização da economia sem proteção interna
implode um país. Sem contar,
claro, a resistência dos oligarcas
que ficaram examinando FHC
e seu programa, até que decodificaram suas fragilidades (dificuldade de conflito, passividade, má comunicação etc.) e esvaziaram o tal "projeto Rui
Barbosa" tucano.
Agora, estamos de volta ao
pêndulo maldito de nossa falta
de saída, nos defrontando com
um novo "salvacionismo".
O coitadinho
Já que a inteligência (essa
coisa suspeita que os "pedantes" exibem...) não funcionou,
estamos partindo para a velha
e boa burrice. O Brasil balança
entre o projeto "Rui Barbosa" e
o projeto "Jeca Tatu".
Itamar é o claríssimo ensaio
de um "messianismo caipira"
que virá.
Itamar é o sintoma de um estado de espírito que vai se consolidar. Ele faz o tipo ingênuo e
traído, com que o "povo" se
identifica. Itamar "confiou"
em Collor e foi traído; confiou
depois em FH e também foi
"traído". Por isso, é um vingador. E, como nos vingadores de
cordel, depois da confiança
vem a ira santa.
Como alguém disse de Hitler,
Itamar passa a imagem de que
foi "vítima de uma grande injustiça". Claro que ele não é
Hitler, mas até que ficaria bonitinho de camisa verde e bigode como Plínio Salgado.
Roseana Sarney
acertou na mosca
quando disse que
"misteriosamente, Itamar se acredita credor
de nossa gratidão". Ele
adotou o marketing do
"coitadinho", do trêmulo perseguido, a
imagem do bobo emocional que cai em contos-do-vigário até da
Lilian Ramos, a primeira-dama-por-uma-noite.
Itamar nos dá sentimento de culpa. Como a história do Brasil é feita de esperanças e frustrações, Itamar é a
desconfiança mineira que não
compra mais bondes; ele é o
mineiro "desasnado" pela maldade dos litorâneos. Itamar está fundando um "populismo
vitimizado". Lula também usa
um pouco esse bordão, mas ele
tem a barba, tem a pecha do
ABC e, na algibeira, assoma-lhe uma foice e martelo, coisas
que a classe média teme.
Itamar é o "classe-média" de
guarda-chuva, é o tio de pijama, é o homem comum vestido
de Tiradentes, sacaneado pelos
intelectuais espertos. Ele voltou
para erguer a bandeira dos enganados. Ele será o comandante supremo dos otários, dos
frustrados, mas também será
usado por raposas oportunistas, que já preparam o novo delírio político que vem por aí.
Itamar vai erguer a bandeira
da "sabedoria no simplismo",
da inteligência na burrice, que
faltaria a estes sabichões da
"realpolitik" com PhD em economia. Itamar é "pobre como o
povo". Ele pode dizer de fronte
erguida: "Eu não sei nada, portanto, tenho dignidade e grandeza".
Na literatura, os pobres de espírito tinham uma santidade,
uma luz insuspeitada. Forrest
Gump, o cretino que deu certo,
e agora Roberto Benigni, o herói-bufão, mostram que a mediocridade populista ganha
Oscar.
A revolução regressiva
Há na imprensa a comichão
de apoiar Itamar. Colunistas
chapas-pretas já falam dele
com doçura, como se ele fosse o
profeta cego que "fez o rei ficar
nu". Mineiros desinformados
arreiam os cavalos, para aderir
ao MRIF (Movimento Revolucionário Itamar Franco). Como é doce o reducionismo
montanhês...
O Brasil precisa, urgentemente, fazer a defesa de nossa "localidade", dentro da economia
global inevitável -a necessária "terceira via" nacional.
Mas isso é um assunto visto
com tédio. Bom mesmo é o nacionalismo de galinheiro, dos
velhos tempos. A volúpia de dizer aos gringos: "Não pago, danem-se... podem arrestar
aviões e navios; ficaremos aqui
na taba, em nossa "revolução
regressiva", reconstruindo nosso mundinho de sapé e rapadura".
Itamar é a ilusão de auto-suficiência, é a moratória unilateral, é o "com quantos paus se
faz uma canoa", é o "pão pão
queijo queijo", é a beleza do
precário, é a poética do atraso.
A idéia é esquecer o mundo desenvolvido, tecnológico, que é a
nossa inveja e vergonha, testemunha da mediocridade política brasileira.
Ao fracasso "antropofágico-tucano" da abertura da economia vai se opor a grossura do
velho nacionalismo do Movimento da Anta.
Por outro lado, Itamar é o
"anti-Alkimin", o "anti-Magalhães Pinto". Ele recusa o lado
mineiro conciliador e proclama o mineiro teimoso. Itamar
é oportunista, mas é honesto.
Esse é um dos seus perigos. Em
torno dele vão se agregar os 40
ladrões e Itamar será um Ali
Babá crédulo.
Um dia, infalivelmente, vai
denunciar os companheiros
que o trairão, como o PT e Brizola que fingem respeitá-lo,
para usá-lo. Imagino as conversas nos partidos, as risadas.
Sempre alguém trairá o Itamar.
Itamar é legível. Suas categorias são límpidas, óbvias: "povo, pátria, heroísmo montanhês, capital espoliador, identidade nacional". Ele é fácil de
ler como um gibi, enquanto
nem mesmo FHC entende mais
o que escreveu, enredado no
emaranhado de suas alianças e
agora manietado pelo FMI.
Itamar é autoritário. Debaixo de sua timidez trêmula, rola
o autoritarismo intempestivo
que o povo adora: "Ihh... o homem fica irritado à toa"...".
Itamar tem o carisma do erro.
Depois de tanta racionalidade
fracassada, nada como a irritação iluminada, o caminho
dos "pés-pelas-mãos", da santa
impaciência que pode eclodir a
qualquer momento. Ele é o
"dane-se", o "pouco-me-importa", a tática da cabeça dura.
O povo está cansado da absurda recusa de FH em se comunicar, cansado de uma democracia vazia na qual o miserável não lucra nada, morando
num Brasil arrasado pela violência, pela brutalidade de um
dia-a-dia sinistro.
Por isso, o povo pode seguir
fascinado esse líder de mau humor, o vingador de uma grande injustiça.
Itamar é o rancor do homem
comum. Vai pegar feito uma
música fácil. Quanto mais
combatido, mais ele cresce.
Quanto mais o Brasil piorar,
mais ele melhora.
Texto Anterior: Outros lançamentos: Blues Próximo Texto: Réplica - Suzana Singer: Os nossos abacaxis são mais criativos? Índice
|