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GASTRONOMIA
Olivier Anquier faz diário on the road na TV
NINA HORTA
Colunista da Folha
Na última crônica (dia 26 de
março) recomendei um livro de
comidas paulistas e, mea culpa,
mea culpa, esqueci de dar o título
da obra.
O nome é "A Culinária Paulista
Tradicional nos Hotéis Senac de
São Paulo", o autor é o jornalista
Caloca Fernandes, e a editora é a
do Senac. Last but not least, as fotos são de W.Morgenthaler.
Hoje, para não haver possibilidade de caduquices semelhantes, vamos direto ao serviço. O assunto é
um programa de culinária na
GNT, comandado por Olivier Anquier, o padeiro francês. Estreou
no mesmo dia 26 de março, às
20h30, uma sexta feira, e tem vários outros horários também nobres e alternativos. Chama-se "O
Diário de Anquier".
Gostaria de ter esperado mais alguns programas para fazer uma
crítica e não simplesmente dar
uma opinião, mas logo no primeiro dia me afligiu a idéia de que poderia estar deixando de pôr a boca
no mundo por uma causa que me
parecia boa. Geralmente são tão
maçantes os programas de comida, sem perspectiva, sem graça, só
ovo atrás de farinha de trigo e açúcar, uma chatice. Quando aparece
coisa nova é preciso brindar.
Não me canso de fazer a comparação seguinte. As receitas de comida são como moldes de alta-costura ou de prêt-à-porter. Já imaginaram a desgraça de nunca vermos
um desfile, ou roupas bonitas, uma
"Vogue" recheada de modelos
com o que há de novidade? Só moldes, moldes, que são as receitas dos
costureiros. Os costureiros se
preocupam com os moldes na hora em que vão costurar. Nós cozinheiros só devemos nos agarrar às
receitas na hora de cozinhar. Precisamos de motivação, de empurrões para o fogão, e só aí vamos
abrir os livros ou a Internet
(www.gnt.com.br) atrás de quantos ovos ou quantas colheres de
azeite.
Outra coisa que descobri é que
para aprender a cozinhar nossos
mestres não precisam ser grandes
chefs. Quando Jeff Smith, do "Frugal Gourmet", esteve aqui fiquei
surpreendida ao senti-lo arrogante
e antipático e interesseiro. Pois na
mesma noite ele foi ao Jô Soares.
Era como se a luz da câmera ou as
luzes do palco o redimissem de
todos os pecadilhos. Brilhava,
banhado em tolerância, credibilidade, generosidade.
Era um ator. Dons bons.
O "Diário de Anquier"
não tem um chef famoso,
um cozinheiro de alto
luxo. Tem um rapaz
bonito, ambicioso,
inteligente, interessado, que quer
mostrar a cozinha
francesa burguesa,
cozinha de mãe, sem esquecer a brasileira. Com os mesmos ingredientes podemos fazer
ora uma, ora outra...
Bunda frita
O primeiro programa foi delicioso e nada usual. Parece que a tônica da maioria dos programas vai
ser colocar o francês on the road
como um Kerouac caboclo. Lá se
foi ele, no mês de outubro, quando
surgem as trovoadas, e as tanajuras se alvoroçam, lá foi ele peregrino de terra batida, bermuda cor-de-rosa, à cata da tanajura, da iça,
do caviar da gente taubateana,
uma comida em desuso.
E no caminho tropeiros contaram histórias, relembraram
as trilhas do Vale tão verde que levava a Angra e
Manducaba.
Em São José do
Barreiro, cidadezinha de casas
azuis e coreto
na praça, havia no ar
uma ameaça de iça, a
tal da formiga alada da
qual se come a bunda
frita. De boteco em boteco, passeando
por cozinhas de
roça de panelas
esmerilhadas com
areia de rio, encontra depois de muita dificuldade alguém que guarda iças na geladeira e iças vivas...
Foi uma sorte e uma confraternização. Todas as mulheres são delicadas e gentis com Anquier, mas
com as iças, com as iças são monstros de maldade. Todas querem
mostrar como fritar bundinhas.
Pegam a tesoura e vão cortando as
cabeças e as pernas dos bichos, assim a frio, sem o menor remorso.
Depois fritam o corpo gorducho e
o Olivier de ajudante vai deixando
a farinha de mandioca cair por cima, numa farofa de iça das mais
puras e autênticas.
De volta à sua cozinha, que também é rústica e de fogão de lenha,
Anquier se prepara para suas francesices fáceis. E o que melhor para
nos ensinar a fazer que escargots?
Escargots, é claro, molengos, viscosos, e a ficha cai nas nossa cabeças. Comemos o que comemos pela geografia, pelo costume, o que
dá asco lá pode não dar aqui e
vice-versa. Parece ser este o espírito da coisa. Carcassonne e Indaiatuba, Dijon e Florestal, Chartres e
Jundiaí, Cavaillon
e Januária, Ilha
Bela e Marselha,
Aracaju e Paris.
Parabéns, Anquier e au revoir!
E-mail: ninahort@uol.com.br
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