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"Papai descobriu o Brasil", exclama Nana Caymmi
Cantora lança "Quem Inventou o Amor", terceiro disco em que relê a obra do pai
Nana grava o que considera os únicos 14 sambas-canções de Caymmi e diz que, se não fosse ele, a música brasileira não seria conhecida lá fora
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Depois de uma pessoa lhe dizer que "Você Não Sabe Amar"
era de Chico Buarque e de uma
bisneta de Dorival Caymmi
afirmar, após uma consulta na
internet, que "Marina" era de
Gilberto Gil, Nana Caymmi decidiu enfrentar a desinformação gravando discos temáticos
com músicas do pai. "Quem Inventou o Amor", com os sambas-canções, é o terceiro em
cinco anos -afora um ao vivo.
Esse esforço concentrado,
que resultou no registro de 45
das 120 composições de Caymmi, se deu após o pai encerrar a
carreira por causa da saúde,
mas enquanto ele ainda pode
apreciar os resultados.
"Ele está lúcido, com a língua
ferina. Noutro dia, ganhou um
celular de presente e ligou a cobrar para o Danilo [Caymmi, irmão de Nana]. Ri à beça. Papai
enterrou todo mundo, inclusive os médicos", diz a primogênita, que há duas semanas comemorou seus 66 anos junto
dos 93 do pai.
No estilo sincero e desbocado de Nana, não há espaço para
meias palavras. Quando é para
exaltar o pai, ela fala grande:
"Ele descobriu o Brasil. O
americano não sabia de nós até
"O Que É Que a Baiana Tem?"
[de 1939]. Se hoje somos conhecidos em alguma coisa, é
porque se lembram de Carmen
Miranda, a quem papai ensinou
a cantar [a música] e a fazer os
gestos. Hoje, no cu da Finlândia
tem uma bicha que vai ensinar
a uma outra bicha, colega,
branca, azeda, triste, na neve, a
botar aquele turbante."
Quando é para contrariar
uma verdade consagrada -a de
que Caymmi é o melhor intérprete das próprias canções-,
ela também não se acanha:
"[Ser o melhor] É o que ele
diz. Eu não acho. Quando canta
o mar, a tragédia que sente na
voz, aí ele é o grande intérprete.
As outras são músicas para o
mundo, com outros grandes
cantores. Mas não digo nada.
Ele tem um ego que não cabe
dentro das calças".
Copacabana
Nana gravou agora o que considera os únicos 14 sambas-canções do pai. Eles têm o clima das boates de Copacabana
dos anos 40 e 50.
"Aquela Copacabana se perdeu. Mas não perde o charme,
porque ela está ali, reina com o
turismo, o mundo gay, todo o
baixo fundo. Quem dita moda
no Brasil é Copacabana. Ipanema é uma moda internacional,
boba, uma bolsa custa três salários mínimos. Em Copacabana,
qualquer mulher é linda, qualquer homem é maravilhoso.
Francês misturado com russo,
com alemão, com brasileiro. É a
Manhattan brasileira", acredita a cantora.
Apenas uma música do novo
disco, "Tão Só", era inédita na
voz de Nana. A repetição não é
algo que pareça lhe preocupar.
"Não saio disputando o primeiro lugar na parada, até porque nem tem mais parada para
disputar. Antes, minhas colegas de trabalho ficavam preocupadas em gravar inéditas, fazer estouro, e eu sempre fui à
parte. Quis seguir a linha da família Caymmi, fazer bonito, ficar para a história, coisa que
consegui", diz.
Como não é difícil supor, sua
visão do que o chamado mercado fonográfico produz não é
das mais positivas.
"Tem muita cópia do americano. Acho um terror, mas as
pessoas precisam comer, cada
um faz a merda que quiser. Eu
gosto de samba, de samba-canção. Meu gosto não mudou,
nem por isso me considero arcaica, museu, velha. Porque esse é o Brasil. Sou a rainha do bolero, mas nem por isso saio impingindo... Sou uma cantora do
bloco do eu sozinho, adoro cantar para mim", afirma.
Um projeto como "Quem Inventou Amor", segundo ela,
"não interessa ao mercado".
Reinado
"O negócio hoje é dinheiro
rápido. As pessoas querem trocar de carro. Eu nem carro tenho, nunca soube dirigir. E
chofer sabe da sua vida, para
que eu quero uma cruz dessa?",
brinca.
Ela é das que resistem à velocidade dos dias de hoje: "Estou
cansada de ir a casas em que
não existe biblioteca ou uma
paredinha com livros. Não sei
se põem para papel higiênico,
mas não há livro. É uma cultura
rápida. Não uso internet, não
sei quem é on-line, e-mail, não
me interessa. Não sou dona da
verdade, não vou salvar ninguém em Israel, no Irã ou no
Iraque".
É na música brasileira, que
tem no pai um dos pontos altos,
que Nana encontra a perenidade que lhe interessa.
"Na música somos o maior
país do mundo. Estamos reinando há, pelo menos, 40 anos,
contando só a partir da minha
geração. A gente reina, mas não
tem consciência disso", lamenta a cantora.
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