São Paulo, sábado, 9 de maio de 1998

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Por que este lápis enorme, vovozinha?

NINA HORTA
especial para a Folha

Amarrei-me nas palavras quando elas milagrosamente se ajeitaram, fazendo sentido, cobrando vida, num anúncio de jornal que dizia "Casa Gato". Daquele pequeno conjunto de sinais formou-se inteira a loja de armarinhos com todos os seus armários.
Senti naqueles segundos a emoção de um Proust, o frisson mágico de David Copperfield. Casa Gato. Sim senhores, que baú! Casa Gato, homessa!
Numa aula de português, diligentemente copiei um belo trecho de Edmundo de Amicis e o apresentei emocionada a expectante como redação própria.
A louca da professora acreditou, mandou ler em voz alta, aplaudiu, consagrou a aluna com um retumbante cem. (Era cem).
A descoberta da fraude veio a cavalo, mas então já não havia mais volta. Escrever trazia louros, prazer e lucros. Pragmaticamente descobri que as palavras fun-ci-o-na-vam.
Tomei-me de amores por bilhetes, cartas, ordens, convites, agradecimentos, cardápios, rol de roupas, agendas, memorandos. Tudo por escrito, sem ruído, era mais fácil.
Minha fala (só a minha?) se embaraça, gagueja, tem sotaque, come esses, confunde-se em brancos. É convencida, tímida, arrogante e impulsiva.
Não admite borracha nem "delete". Expõe, denuncia, não protege. Quando se viu, já era.
A palavra falada é ao vivo, corajosa. A escrita é editada, mais covarde.
"- Por que estes olhos enormes, vovozinha?
- Prá te ver melhor, minha netinha.
- Por que estas orelhas enormes, vovozinha?
- Prá te ouvir melhor, minha netinha!"
Por que este lápis enorme, vovozinha?
Prá melhor te comer, minha netinha!"
Acho que é isso.



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