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Por que este lápis enorme, vovozinha?
NINA HORTA
especial para a Folha
Amarrei-me nas palavras
quando elas milagrosamente se
ajeitaram, fazendo sentido, cobrando vida, num anúncio de
jornal que dizia "Casa Gato".
Daquele pequeno conjunto de
sinais formou-se inteira a loja de
armarinhos com todos os seus
armários.
Senti naqueles segundos a
emoção de um Proust, o frisson
mágico de David Copperfield.
Casa Gato. Sim senhores, que
baú! Casa Gato, homessa!
Numa aula de português, diligentemente copiei um belo trecho de Edmundo de Amicis e o
apresentei emocionada a expectante como redação própria.
A louca da professora acreditou, mandou ler em voz alta,
aplaudiu, consagrou a aluna
com um retumbante cem. (Era
cem).
A descoberta da fraude veio a
cavalo, mas então já não havia
mais volta. Escrever trazia louros, prazer e lucros. Pragmaticamente descobri que as palavras fun-ci-o-na-vam.
Tomei-me de amores por bilhetes, cartas, ordens, convites,
agradecimentos, cardápios, rol
de roupas, agendas, memorandos. Tudo por escrito, sem ruído, era mais fácil.
Minha fala (só a minha?) se
embaraça, gagueja, tem sotaque, come esses, confunde-se
em brancos. É convencida, tímida, arrogante e impulsiva.
Não admite borracha nem
"delete". Expõe, denuncia, não
protege. Quando se viu, já era.
A palavra falada é ao vivo, corajosa. A escrita é editada, mais
covarde.
"- Por que estes olhos enormes, vovozinha?
- Prá te ver melhor, minha
netinha.
- Por que estas orelhas enormes, vovozinha?
- Prá te ouvir melhor, minha
netinha!"
Por que este lápis enorme, vovozinha?
Prá melhor te comer, minha
netinha!"
Acho que é isso.
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