São Paulo, sábado, 9 de maio de 1998

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LIVROS - LANÇAMENTOS
Magaldi analisa dramaturgia moderna

VALMIR SANTOS
especial para a Folha

Sábato Magaldi chega aos 71 anos, completados hoje, com a certeza de que nunca escreveu tanto sobre teatro quanto agora. "A vocação não acaba: é o dia inteiro lendo, pesquisando, escrevendo", afirma.
O primeiro volume de "Moderna Dramaturgia Brasileira" (Perspectiva), décimo livro em 48 anos de pensamento teatral, sai até o final do mês.
Antes, na Bienal (estande N213, pavilhão verde), o crítico e ensaísta relança, revisto e ampliado, o seminal "Panorama do Teatro Brasileiro" (62), agora pela Global Editora (328 págs., R$ 29,80). O estudo abrange dos autos de Anchieta à vanguarda dos 90.
No momento, Magaldi trabalha em vários projetos. Entre eles, adapta sua tese sobre o teatro de Oswald de Andrade. Tem praticamente pronto "Um Diretor em Cena - Antunes Filho e a Encenação de Nelson Rodrigues".
E ainda não sabe se o seu diário "Crônicas da Vida Teatral", que alimenta desde 63, é publicável.
Utilizando-se de caneta esferográfica para criar seus esboços, depois datilografados pelo próprio e transformados em laudas -assim entregues à editora-, ele também não abdica do ofício de ir ao teatro com relativa frequência, seja em São Paulo, Rio ou Nova York.
Prosador, bom mineiro que é, Magaldi adianta à Folha o seu novo livro e comenta os apêndices que criou para o "Panorama".

Folha - "Moderna Dramaturgia Brasileira" é, de certa forma, um complemento ao "Panorama do Teatro Brasileiro"?
Sábato Magaldi -
Sim. Eu já vinha pensando no livro há muito tempo. Cheguei a 500 e tantas laudas e ainda me faltavam umas 200 para completar. Ou seja, estava se tornando impublicável.
Decidi então dividi-lo em duas séries. A primeira, que sai agora, reúne matérias, ensaios, prefácios e textos para programas de espetáculos que escrevi, passando por Oswald (de Andrade), Nelson (Rodrigues), (Ariano) Suassuna, (Gianfrancesco) Guarnieri, Dias Gomes, Bráulio Pedroso, Plínio (Marcos), e chega até Juca de Oliveira, com seu "Caixa 2".
O segundo volume terá César Vieira, Soffredini, João Bethencourt, João das Neves, Marcos Caruso, Miguel Falabella e outros.
Folha - Que elementos comuns o sr. identificaria nessa "moderna dramaturgia"?
Magaldi -
Eu procurei, de certa maneira, pegar as mudanças temáticas. Oswald, Nelson, (Augusto) Boal, enfim, cada um abordava uma coisa, trazia um dado diferente. O propósito final é fazer esse levantamento dos autores.
São obras que merecem ser reavaliadas, merecem ser reencenadas. Afinal, temos uma vocação no Brasil para esquecer tudo o que aconteceu ontem.
Folha - É um privilégio retomar um livro histórico escrito 35 anos atrás?
Magaldi -
De certa forma, sim. Eu tomo muito cuidado. Se você pensar que grandes críticos de toda a história literária escreveram tantas besteiras, foram incapazes de perceber tantos gênios, então eu procuro me cercar das maiores garantias possíveis.
Por isso, quando opino, deixo uma abertura para outras interpretações...
Folha - ...Uma espécie de ética pessoal para com o teatro?
Magaldi -
Eu acho que sim. As coisas mudam de figura com o tempo. Shakespeare, por exemplo, surgiu por volta de 1600 e permaneceu 200 anos esquecido. Só foi retomado depois pelo romantismo, para se tornar indiscutivelmente o maior autor do mundo.
Folha - Por que o sr. decidiu pela atualização do "Panorama do Teatro Brasileiro"?
Magaldi -
Em princípio, não queria republicar esse livro, achava que já havia cumprido sua missão. Mas ele foi considerado obra de referência pelo Ministério da Educação, que recomendou 20 mil exemplares para distribuir em escolas e bibliotecas. Não tinha o direito, portanto, de boicotar.
Aí tentei reescrever muita coisa, já que o livro original vai até 61. Nelson, Dias Gomes, Jorge Andrade, muitos dos autores de que tratei produziram depois outras peças. E surgiram novos dramaturgos, como o Plínio Marcos.
Enfim, tentei remexer, mas vi que seria uma loucura. Acabei optando por dois apêndices, um sobre a nossa dramaturgia moderna, escrito em 87, e um sobre tendências contemporâneas, de 96.
Folha - Nesta reedição, o sr. também propõe o AI-5, em 68, e a montagem de Antunes Filho para "Macunaíma", em 78, como determinantes de novas fases do teatro contemporâneo.
Magaldi -
Venho batendo numa tecla que tem fundamento histórico. Nas décadas de 20 e 30, com as companhias de Leopoldo Fróes e Procópio Ferreira, prevalecia a figura do ator.
Com a estréia de "Vestido de Noiva", em 43, do Ziembinki, surge o encenador e desaparece o "ensaiador" de atores. O TBC reforçou essa tendência convidando diretores europeus, como Bollini e Celi.
No final dos anos 50, com as peças de Boal e Guarnieri no Arena, tem início a fase de afirmação do autor brasileiro. Já a implantação do AI-5, em 68, favorece a hegemonia da censura (risos).
Curiosamente, no momento em que o ato é extinto, em 78, estréia "Macunaíma". É quando entra em cena o encenador-criador. Ele enfeixa tudo nas próprias mãos, assume a autoria, ao contrário do diretor do TBC, que se dizia a serviço do ator, do teatro de equipe.
Agora, com o "Prêt-à-Porter", que ainda não vi, o Antunes já fala no ator-criador, fechando o que parece mais um ciclo.
Folha - A quantas anda o diário "Crônicas da Vida Teatral", que o sr. escreve desde os anos 60?
Magaldi -
Estou no 41º volume, com cerca de 400 páginas manuscritas em cada caderno. É ali que registro minhas impressões, já que estou fora da crítica militante há dez anos.
Folha - Teremos a chance de ler um dia?
Magaldi -
Eu realmente não sei. Olha, são 16 mil páginas manuscritas. O que se vai fazer com isso? Transformar em livro de memórias? Pode ser. Anotei muito sobre o que se passou, por exemplo, após o golpe de 64, com censura, perseguição, aquela loucura toda.
Antes da Cacilda Becker morrer ela ficou internada mais de um mês no hospital São Luiz. Eu passava lá todos os dias e fazia uma nota para o jornal sobre sua saúde, entrevistava os amigos que iam visitá-la, e assim por diante.
Os cadernos têm muito da minha visão particular dos bastidores do teatro.



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