|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS - LANÇAMENTOS
Magaldi analisa dramaturgia moderna
VALMIR SANTOS
especial para a Folha
Sábato Magaldi chega aos 71
anos, completados hoje, com a
certeza de que nunca escreveu tanto sobre teatro quanto agora. "A
vocação não acaba: é o dia inteiro
lendo, pesquisando, escrevendo", afirma.
O primeiro volume de "Moderna Dramaturgia Brasileira" (Perspectiva), décimo livro em 48 anos
de pensamento teatral, sai até o final do mês.
Antes, na Bienal (estande N213,
pavilhão verde), o crítico e ensaísta relança, revisto e ampliado, o
seminal "Panorama do Teatro
Brasileiro" (62), agora pela Global Editora (328 págs., R$ 29,80).
O estudo abrange dos autos de
Anchieta à vanguarda dos 90.
No momento, Magaldi trabalha
em vários projetos. Entre eles,
adapta sua tese sobre o teatro de
Oswald de Andrade. Tem praticamente pronto "Um Diretor em
Cena - Antunes Filho e a Encenação de Nelson Rodrigues".
E ainda não sabe se o seu diário
"Crônicas da Vida Teatral", que
alimenta desde 63, é publicável.
Utilizando-se de caneta esferográfica para criar seus esboços, depois datilografados pelo próprio e
transformados em laudas -assim
entregues à editora-, ele também
não abdica do ofício de ir ao teatro
com relativa frequência, seja em
São Paulo, Rio ou Nova York.
Prosador, bom mineiro que é,
Magaldi adianta à Folha o seu novo livro e comenta os apêndices
que criou para o "Panorama".
Folha - "Moderna Dramaturgia
Brasileira" é, de certa forma, um
complemento ao "Panorama do
Teatro Brasileiro"?
Sábato Magaldi - Sim. Eu já vinha pensando no livro há muito
tempo. Cheguei a 500 e tantas laudas e ainda me faltavam umas 200
para completar. Ou seja, estava se
tornando impublicável.
Decidi então dividi-lo em duas
séries. A primeira, que sai agora,
reúne matérias, ensaios, prefácios
e textos para programas de espetáculos que escrevi, passando por
Oswald (de Andrade), Nelson (Rodrigues), (Ariano) Suassuna,
(Gianfrancesco) Guarnieri, Dias
Gomes, Bráulio Pedroso, Plínio
(Marcos), e chega até Juca de Oliveira, com seu "Caixa 2".
O segundo volume terá César
Vieira, Soffredini, João Bethencourt, João das Neves, Marcos Caruso, Miguel Falabella e outros.
Folha - Que elementos comuns o
sr. identificaria nessa "moderna
dramaturgia"?
Magaldi - Eu procurei, de certa
maneira, pegar as mudanças temáticas. Oswald, Nelson, (Augusto) Boal, enfim, cada um abordava
uma coisa, trazia um dado diferente. O propósito final é fazer esse levantamento dos autores.
São obras que merecem ser reavaliadas, merecem ser reencenadas. Afinal, temos uma vocação no
Brasil para esquecer tudo o que
aconteceu ontem.
Folha - É um privilégio retomar
um livro histórico escrito 35 anos
atrás?
Magaldi - De certa forma, sim.
Eu tomo muito cuidado. Se você
pensar que grandes críticos de toda a história literária escreveram
tantas besteiras, foram incapazes
de perceber tantos gênios, então
eu procuro me cercar das maiores
garantias possíveis.
Por isso, quando opino, deixo
uma abertura para outras interpretações...
Folha - ...Uma espécie de ética
pessoal para com o teatro?
Magaldi - Eu acho que sim. As
coisas mudam de figura com o
tempo. Shakespeare, por exemplo,
surgiu por volta de 1600 e permaneceu 200 anos esquecido. Só foi
retomado depois pelo romantismo, para se tornar indiscutivelmente o maior autor do mundo.
Folha - Por que o sr. decidiu pela
atualização do "Panorama do Teatro Brasileiro"?
Magaldi - Em princípio, não
queria republicar esse livro, achava que já havia cumprido sua missão. Mas ele foi considerado obra
de referência pelo Ministério da
Educação, que recomendou 20 mil
exemplares para distribuir em escolas e bibliotecas. Não tinha o direito, portanto, de boicotar.
Aí tentei reescrever muita coisa,
já que o livro original vai até 61.
Nelson, Dias Gomes, Jorge Andrade, muitos dos autores de que tratei produziram depois outras peças. E surgiram novos dramaturgos, como o Plínio Marcos.
Enfim, tentei remexer, mas vi
que seria uma loucura. Acabei optando por dois apêndices, um sobre a nossa dramaturgia moderna,
escrito em 87, e um sobre tendências contemporâneas, de 96.
Folha - Nesta reedição, o sr. também propõe o AI-5, em 68, e a
montagem de Antunes Filho para
"Macunaíma", em 78, como determinantes de novas fases do teatro
contemporâneo.
Magaldi - Venho batendo numa tecla que tem fundamento histórico. Nas décadas de 20 e 30, com
as companhias de Leopoldo Fróes
e Procópio Ferreira, prevalecia a
figura do ator.
Com a estréia de "Vestido de
Noiva", em 43, do Ziembinki,
surge o encenador e desaparece o
"ensaiador" de atores. O TBC reforçou essa tendência convidando
diretores europeus, como Bollini e
Celi.
No final dos anos 50, com as peças de Boal e Guarnieri no Arena,
tem início a fase de afirmação do
autor brasileiro. Já a implantação
do AI-5, em 68, favorece a hegemonia da censura (risos).
Curiosamente, no momento em
que o ato é extinto, em 78, estréia
"Macunaíma". É quando entra
em cena o encenador-criador. Ele
enfeixa tudo nas próprias mãos,
assume a autoria, ao contrário do
diretor do TBC, que se dizia a serviço do ator, do teatro de equipe.
Agora, com o "Prêt-à-Porter",
que ainda não vi, o Antunes já fala
no ator-criador, fechando o que
parece mais um ciclo.
Folha - A quantas anda o diário
"Crônicas da Vida Teatral", que o
sr. escreve desde os anos 60?
Magaldi - Estou no 41º volume,
com cerca de 400 páginas manuscritas em cada caderno. É ali que
registro minhas impressões, já que
estou fora da crítica militante há
dez anos.
Folha - Teremos a chance de ler
um dia?
Magaldi - Eu realmente não sei.
Olha, são 16 mil páginas manuscritas. O que se vai fazer com isso?
Transformar em livro de memórias? Pode ser. Anotei muito sobre
o que se passou, por exemplo,
após o golpe de 64, com censura,
perseguição, aquela loucura toda.
Antes da Cacilda Becker morrer
ela ficou internada mais de um
mês no hospital São Luiz. Eu passava lá todos os dias e fazia uma
nota para o jornal sobre sua saúde,
entrevistava os amigos que iam visitá-la, e assim por diante.
Os cadernos têm muito da minha
visão particular dos bastidores do
teatro.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|