UOL


São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARGUMENTO

Mostras diplomáticas esclarecem geopolítica atual

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

O interesse do público pela mostra "Os Guerreiros de Xi'An e os Tesouros da Cidade Proibida" atesta o sucesso das mostras diplomáticas. Grandes negociações entre o Brasil e outros países, como China e Rússia, têm ocasionado megaexposições de arte que já fazem parte do calendário paulistano.
Qual o nexo entre tais eventos e a política de representação internacional?
A resposta mais óbvia é a associação da marca do país estrangeiro em exposição a valores positivos, como arte. Assim, seria fortalecida a importação de produtos resultante da contrapartida das exportações nacionais: o público brasileiro passaria a prezar a cultura material chinesa em bloco, quer se trate de mercadoria atual ou de um guerreiro milenar de terracota.
Entretanto a curadoria dessas mostras articula visões da história assimiladas por centenas de milhares de pessoas. Estrutura a reflexão feita durante o percurso expositivo e após ele por meio do arranjo das obras no espaço.
A grande visitação por escolas e pelo público interessado em conhecer realidades distantes de nós implica a responsabilidade pela formação de imagens de médio e longo prazo.
Tomemos como exemplo a ocupação da Oca, encerrada ontem. O espectador era recebido no térreo por coleções de objetos de uso cotidiano: moedas, armas, telhas etc. A empatia é criada pela comparação com situações familiares, como habitação ou comércio. Esse andar não tem designação própria.
No nível superior começam os "Tesouros da Cidade Proibida". A subida de um andar conduz a utensílios cortesãos. O luxo palaciano distancia o visitante das circunstâncias usuais, preparando-o para atingir o ápice da mostra.
No topo do edifício, encontramos a reprodução de uma sala do trono, junto a roupas e jóias imperiais. O distanciamento atinge o grau último, pois a presença do monarca era privilégio de pouquíssimos.
Todo o arranjo se ergue sobre peças da escavação arqueológica de Xi'An, no subsolo do prédio. As doze estátuas militares, selecionadas do gigantesco exército enterrado no mausoléu do imperador Qin Shi, parecem sustentar toda a exposição, qual pilares de estrutura monumental.
O conjunto apresentava uma visão estratificada da China sob forma de calota. O poder está isolado no topo, difundindo-se por intermédio da burocracia.
A base da cultura é ampla e horizontalizada, mas apoia-se sobre infinita potência militar. A antiguidade das obras exibidas cria percepção sólida e conservadora da situação.
O intercâmbio de mostras de arte esclarece a posição relativa dos parceiros no jogo entre nações. A seleção e montagem dos acervos enviados disseminam imagens do presente, construídas a partir de interpretações da história.
O Brasil tem recebido e enviado mostras diplomáticas com uma frequência crescente. O público deve aproveitar as visitas para refletir sobre as imagens propostas da geopolítica contemporânea -além de ampliar os horizontes pela frequentação de coleções admiráveis.



Texto Anterior: Trecho
Próximo Texto: De punho próprio
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.