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ARGUMENTO
Mostras diplomáticas esclarecem geopolítica atual
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
O interesse do público pela
mostra "Os Guerreiros de
Xi'An e os Tesouros da Cidade
Proibida" atesta o sucesso das
mostras diplomáticas. Grandes
negociações entre o Brasil e outros países, como China e Rússia,
têm ocasionado megaexposições
de arte que já fazem parte do calendário paulistano.
Qual o nexo entre tais eventos e
a política de representação internacional?
A resposta mais óbvia é a associação da marca do país estrangeiro em exposição a valores positivos, como arte. Assim, seria fortalecida a importação de produtos
resultante da contrapartida das
exportações nacionais: o público
brasileiro passaria a prezar a cultura material chinesa em bloco,
quer se trate de mercadoria atual
ou de um guerreiro milenar de
terracota.
Entretanto a curadoria dessas
mostras articula visões da história
assimiladas por centenas de milhares de pessoas. Estrutura a reflexão feita durante o percurso expositivo e após ele por meio do arranjo das obras no espaço.
A grande visitação por escolas e
pelo público interessado em conhecer realidades distantes de nós
implica a responsabilidade pela
formação de imagens de médio e
longo prazo.
Tomemos como exemplo a
ocupação da Oca, encerrada ontem. O espectador era recebido no
térreo por coleções de objetos de
uso cotidiano: moedas, armas, telhas etc. A empatia é criada pela
comparação com situações familiares, como habitação ou comércio. Esse andar não tem designação própria.
No nível superior começam os
"Tesouros da Cidade Proibida". A
subida de um andar conduz a
utensílios cortesãos. O luxo palaciano distancia o visitante das circunstâncias usuais, preparando-o
para atingir o ápice da mostra.
No topo do edifício, encontramos a reprodução de uma sala do
trono, junto a roupas e jóias imperiais. O distanciamento atinge o
grau último, pois a presença do
monarca era privilégio de pouquíssimos.
Todo o arranjo se ergue sobre
peças da escavação arqueológica
de Xi'An, no subsolo do prédio.
As doze estátuas militares, selecionadas do gigantesco exército
enterrado no mausoléu do imperador Qin Shi, parecem sustentar
toda a exposição, qual pilares de
estrutura monumental.
O conjunto apresentava uma visão estratificada da China sob forma de calota. O poder está isolado
no topo, difundindo-se por intermédio da burocracia.
A base da cultura é ampla e horizontalizada, mas apoia-se sobre
infinita potência militar. A antiguidade das obras exibidas cria
percepção sólida e conservadora
da situação.
O intercâmbio de mostras de arte esclarece a posição relativa dos
parceiros no jogo entre nações. A
seleção e montagem dos acervos
enviados disseminam imagens do
presente, construídas a partir de
interpretações da história.
O Brasil tem recebido e enviado
mostras diplomáticas com uma
frequência crescente. O público
deve aproveitar as visitas para refletir sobre as imagens propostas
da geopolítica contemporânea
-além de ampliar os horizontes
pela frequentação de coleções admiráveis.
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