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São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2003

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Mauricio de Sousa relança o "politicamente incorreto" Nico Demo e prepara dois longas-metragens de produção própria com os personagens da Turma da Mônica

De punho próprio

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Ainda que suas personagens mais famosas sejam hoje rabiscadas por um seleto esquadrão de artistas em seu estúdio, Mauricio de Sousa, 67, não abre mão de nada: da criação ao roteiro, do roteiro aos desenhos, das revistas às capas de caderno, tudo o que leva a marca "Turma da Mônica" só deixa o antigo prédio da rua do Cortume, na Lapa, com a autorização do pai da menina dentuça.
Tem sido assim desde 1959, quando o jovem Mauricio começou a publicar as tiras de Bidu e Franjinha na "Folha da Tarde", onde antes trabalhara como repórter policial. Foi assim quando uma tira virou duas, quatro, oito... e, de um jornal, passou a ser publicada em 300, durante os anos 60. E continua assim agora, quatro décadas depois, desde que o desenhista assinou contrato com a Rede Globo para a realização de projetos envolvendo a Turma.
"A gente não se acertou. A produção fazia uma coisa, eu achava que não era bem o nosso estilo", disse em entrevista à Folha, referindo-se ao programa infantil que continua engavetado. "Enquanto isso as coisas ficam malparadas. Nós ficamos fora do ar, paramos de fazer desenho animado."
Mesmo assim, o inquieto desenhista acaba de fechar com a Paramount a distribuição, em DVDs, dos antigos desenhos, está relançando o álbum de tiras do obscuro -e politicamente incorreto- Nico Demo e promete, para o final do ano, um longa inédito da Turma e a estréia nas telonas do personagem Horácio, o único em que Mauricio ainda não deixa ninguém de seu estúdio pôr a mão. "Não é que seja o preferido. É só que não consegui passar o traço dele para ninguém ainda."
Leia a seguir alguns trechos da entrevista.
 

Folha - Ao contrário das revistas de super-herói, não vemos surgir novos nomes dos Estúdios Mauricio de Sousa. Por quê?
Mauricio de Sousa -
Muita gente boa já passou por aqui. Mas penso que este é o caminho do estúdio. Por diversos motivos, inclusive de direitos autorais, tenho que preservar os personagens que eu mesmo criei. Eu dirijo, vejo todas as histórias para que não haja desvios na filosofia, no traço e no estilo. Se fosse para fazer outras histórias, criaria uma outra empresa só para isso. Em outros tempos cheguei a distribuir tiras de outros desenhistas. Mas o meu material vendia tão mais que estava se tornando desagradável. Dava a impressão de que eu estava empurrando mais o meu. E a Turma da Mônica realmente esmaga um pouco.

Folha - Hoje você faz revistas para crianças. Mas esses personagens começaram nos jornais, que atingem outra parcela de leitores. Acha que seu trabalho é infantil?
Sousa -
Quadrinhos, para mim, são uma janelinha para a fantasia, algo entre o criativo, o artístico e o ingênuo. E, hoje, os jornais perderam um pouco dessa ingenuidade. Naquela época eu não tinha a preocupação de escolher um público alvo. Tanto que as primeiras tiras, inclusive as do Nico Demo, tinham uma densidade que hoje não poderia sair na nossa revista. Seria politicamente incorreto.

Folha - Você foi um dos defensores da reserva de mercado para o quadrinho nacional, nos anos 60. Qual é a ameaça que os quadrinhos estrangeiros representam?
Sousa -
Pouco antes de o [ex-presidente] Jânio Quadros renunciar, ele me pediu um estudo sobre o que a invasão das HQs estrangeiras significava não só para a cultura nacional, mas quanto custava isso em dólares para o país. E era um bocado de dinheiro. Mas, olhando de longe, quando surge uma onda, como a Marvel ou agora o mangá, acho que os artistas nacionais não têm que brigar contra, têm que brigar pelo seu lugar também. Fazendo o nosso estilo, a gente briga com super-herói nas bancas.

Folha - E, de lá para cá, você acha que a oferta nacional é suficiente?
Sousa -
Na linha de revistas, surgiram dezenas, mas não foram adiante. Em tiras de jornal temos coisas maravilhosas. Hoje não há preconceito contra material brasileiro. Quando eu saía vendendo minhas tirinhas pelo interior, se o jornal era nacionalista eu tinha que falar que a minha tira era tão boa quanto a americana, se o jornal era esquerdista eu falava que era uma tira brasileira para enfrentar a ameaça americana.

Folha - Qual é a importância dos desenhos animados para o mercado de quadrinhos hoje?
Sousa -
É vital. Nós temos que fazer um enorme esforço para sobreviver sem isso. O pessoal que nos acompanha sempre continua aí, fiel. Se estivéssemos na TV, ganharíamos mercado.



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