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Mauricio de Sousa relança o "politicamente incorreto" Nico Demo e prepara dois longas-metragens de produção própria com os personagens da Turma da Mônica
De punho próprio
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Ainda que suas personagens
mais famosas sejam hoje rabiscadas por um seleto esquadrão de
artistas em seu estúdio, Mauricio
de Sousa, 67, não abre mão de nada: da criação ao roteiro, do roteiro aos desenhos, das revistas às
capas de caderno, tudo o que leva
a marca "Turma da Mônica" só
deixa o antigo prédio da rua do
Cortume, na Lapa, com a autorização do pai da menina dentuça.
Tem sido assim desde 1959,
quando o jovem Mauricio começou a publicar as tiras de Bidu e
Franjinha na "Folha da Tarde",
onde antes trabalhara como repórter policial. Foi assim quando
uma tira virou duas, quatro, oito...
e, de um jornal, passou a ser publicada em 300, durante os anos
60. E continua assim agora, quatro décadas depois, desde que o
desenhista assinou contrato com
a Rede Globo para a realização de
projetos envolvendo a Turma.
"A gente não se acertou. A produção fazia uma coisa, eu achava
que não era bem o nosso estilo",
disse em entrevista à Folha, referindo-se ao programa infantil que
continua engavetado. "Enquanto
isso as coisas ficam malparadas.
Nós ficamos fora do ar, paramos
de fazer desenho animado."
Mesmo assim, o inquieto desenhista acaba de fechar com a Paramount a distribuição, em
DVDs, dos antigos desenhos, está
relançando o álbum de tiras do
obscuro -e politicamente incorreto- Nico Demo e promete, para o final do ano, um longa inédito
da Turma e a estréia nas telonas
do personagem Horácio, o único
em que Mauricio ainda não deixa
ninguém de seu estúdio pôr a
mão. "Não é que seja o preferido.
É só que não consegui passar o
traço dele para ninguém ainda."
Leia a seguir alguns trechos da
entrevista.
Folha - Ao contrário das revistas
de super-herói, não vemos surgir
novos nomes dos Estúdios Mauricio
de Sousa. Por quê?
Mauricio de Sousa - Muita gente
boa já passou por aqui. Mas penso
que este é o caminho do estúdio.
Por diversos motivos, inclusive de
direitos autorais, tenho que preservar os personagens que eu
mesmo criei. Eu dirijo, vejo todas
as histórias para que não haja desvios na filosofia, no traço e no estilo. Se fosse para fazer outras histórias, criaria uma outra empresa só
para isso. Em outros tempos cheguei a distribuir tiras de outros
desenhistas. Mas o meu material
vendia tão mais que estava se tornando desagradável. Dava a impressão de que eu estava empurrando mais o meu. E a Turma da
Mônica realmente esmaga um
pouco.
Folha - Hoje você faz revistas para crianças. Mas esses personagens
começaram nos jornais, que atingem outra parcela de leitores. Acha
que seu trabalho é infantil?
Sousa - Quadrinhos, para mim,
são uma janelinha para a fantasia,
algo entre o criativo, o artístico e o
ingênuo. E, hoje, os jornais perderam um pouco dessa ingenuidade. Naquela época eu não tinha a
preocupação de escolher um público alvo. Tanto que as primeiras
tiras, inclusive as do Nico Demo,
tinham uma densidade que hoje
não poderia sair na nossa revista.
Seria politicamente incorreto.
Folha - Você foi um dos defensores da reserva de mercado para o
quadrinho nacional, nos anos 60.
Qual é a ameaça que os quadrinhos
estrangeiros representam?
Sousa - Pouco antes de o [ex-presidente] Jânio Quadros renunciar, ele me pediu um estudo sobre o que a invasão das HQs estrangeiras significava não só para
a cultura nacional, mas quanto
custava isso em dólares para o
país. E era um bocado de dinheiro. Mas, olhando de longe, quando surge uma onda, como a Marvel ou agora o mangá, acho que os
artistas nacionais não têm que
brigar contra, têm que brigar pelo
seu lugar também. Fazendo o
nosso estilo, a gente briga com super-herói nas bancas.
Folha - E, de lá para cá, você acha
que a oferta nacional é suficiente?
Sousa - Na linha de revistas, surgiram dezenas, mas não foram
adiante. Em tiras de jornal temos
coisas maravilhosas. Hoje não há
preconceito contra material brasileiro. Quando eu saía vendendo
minhas tirinhas pelo interior, se o
jornal era nacionalista eu tinha
que falar que a minha tira era tão
boa quanto a americana, se o jornal era esquerdista eu falava que
era uma tira brasileira para enfrentar a ameaça americana.
Folha - Qual é a importância dos
desenhos animados para o mercado de quadrinhos hoje?
Sousa - É vital. Nós temos que fazer um enorme esforço para sobreviver sem isso. O pessoal que
nos acompanha sempre continua
aí, fiel. Se estivéssemos na TV, ganharíamos mercado.
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