São Paulo, quarta-feira, 09 de junho de 2004

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Além da cortina de silêncio

Chris Niedenthal/Reuters
Tanques em Varsóvia em 1981, quando foi imposta lei marcial para conter a expansão do sindicato Solidariedade, de Lech Walesa


Krzysztof Penderecki rege a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo com música litúrgica feita como protesto

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O maestro e compositor polonês Krzysztof Penderecki, 70, será amanhã e sábado o personagem mais importante deste ano na música erudita em São Paulo.
Estará regendo a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado) com um de seus grandes trabalhos litúrgicos, o "Réquiem Polonês", cujos trechos foram basicamente compostos entre 1980 e 1984 e justapostos para estrearem em 1993.
É uma música densa, já alheia ao atonalismo estridente que marcou sua produção até os anos 70. Ele é considerado um dos grandes remanescentes da vanguarda musical da segunda metade do século passado. Os 3.000 ingressos para as duas récitas na Sala São Paulo já estão esgotados.
Penderecki (diz-se "penderétsk") esteve três vezes no Brasil, a última em 97. Ele falou à Folha no sábado, por telefone, da Cracóvia. Leia trechos da entrevista.
 

Folha - Até que ponto o "Réquiem Polonês", por sua composição tão espaçada, não seria a síntese de suas idéias musicais mais recentes?
Krzysztof Penderecki -
O "Réquiem" marca momentos capitais na luta pela liberdade na Polônia, quando acreditei ser necessário dizer musicalmente alguma coisa. O primeiro trecho foi escrito quando Lech Walesa, então líder sindical e bem mais tarde presidente da Polônia, me pediu uma música para a inauguração de um monumento pelos mortos nas greves dos estaleiros de Gdansk. Meses mais tarde morreu o cardeal Stefan Wyszynski [(1901-1981), espécie de modelo espiritual do futuro João Paulo 2º e notabilizado por ter afrontado o regime comunista]. Para seus funerais escrevi a "Lacrimosa".

Folha - Mas não se trata mais de uma obra litúrgica atonal como a "Paixão segundo São Lucas", do final dos anos 50.
Penderecki -
Eu diria que o "Réquiem" é uma súmula de idéias bem posteriores à "Paixão" e a outras peças sacras. Mas o que importa não é tanto a evolução formal de minha linguagem, mas o fato de haver um conteúdo político e cultural que tinha na música religiosa uma forma de protesto.

Folha - O catolicismo é muito importante em sua vida?
Penderecki -
Quando comecei a escrever música religiosa, no final dos anos 50, o gênero era rigorosamente proibido na Polônia, que era e ainda é o grande país católico do Leste Europeu. Minha mentalidade rebelde procurava fazer o que era proibido. "São Lucas" foi interpretada pela primeira vez na Alemanha Ocidental. Só em 1966 as autoridades permitiram que fosse executada na Cracóvia.


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