|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TELEVISÃO
Consultoria afirma que programas na TV pública saem até 3.164% mais caros do que nas redes comerciais
Estudo aponta "supercustos" na Cultura
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Os programas da TV Cultura,
mantida pelo governo do Estado,
custam até 3.164% a mais do que
nas redes comerciais, aponta estudo inédito, concluído em abril
pela consultoria Booz Allen Hamilton. Na média, a programação
da Cultura sairia 113% mais cara
do que a da concorrência.
O estudo, que foi feito de graça e
vem causando controvérsia por
subestimar custos das TVs comerciais, integra dossiê enviado
há duas semanas a todos os conselheiros da Fundação Padre Anchieta (mantenedora da Cultura)
por Julieda Puig Pereira Paes.
Ligada aos secretários estaduais
da área econômica, a economista
Paes assumiu o cargo de diretora-superintendende da fundação em
agosto passado, numa "intervenção branca" não assumida pelo
governo do Estado, mas apontada
como tal por diretores e conselheiros da Cultura.
Sua missão principal era fazer
uma reestruturação que resultasse em redução dos gastos da TV
pública, reduzindo assim os repasses do governo. Paes pediu demissão no último dia 25, após se
ver excluída de composição política que elegeu Marcos Mendonça, ex-secretário de Cultura, novo
presidente da fundação.
Com quase 200 páginas e mais
de uma dezena de anexos, o dossiê que acompanhou o pedido de
demissão de Julieda Paes é o mais
contundente documento já divulgado sobre a TV Cultura.
"A chamada "crise da Cultura"
não é uma crise de receitas, como
comumente se diz, mas uma crise
de despesas", afirma a economista na apresentação do relatório.
Conclui Paes que "as áreas fim
[produção e jornalismo da Cultura] têm deficiências de comando,
controle, capacitação gerencial e
falta de orientação para resultados". Conseqüentemente, a produção de programas próprios e a
audência tiveram queda de cerca
de 40% de 1995 a 2003.
Supercustos
Do estudo da Booz Allen, o caso
de suposto superfaturamento que
mais chama a atenção é o do seriado de ficção juvenil "Galera".
Segundo a consultoria, uma hora do programa custa R$ 248 mil.
A Booz Allen usa como comparativos "benchmarks", termo do
economês que designa o referencial de custos de determinado
produto na concorrência. O
"benchmark" de "Galera", de
acordo com a Booz Allen, é de R$
7.600. Ou seja, o seriado custaria
3.164% a mais do que o padrão.
De fato, R$ 248 mil por uma hora de um programa como o "Galera" é caro para os padrões brasileiros. Está acima, por exemplo,
do patamar de custos da Globo.
Em 2002, uma hora de teledramaturgia na emissora custava R$ 161
mil. Assim, "Galera" seria em tese
54% mais caro do que "Malhação", por exemplo.
No máximo, o programa da
Cultura saiu três vezes mais caro
do que o mínimo que se pode praticar nas redes mais populares,
que não têm o mesmo compromisso com a qualidade que uma
TV pública. O apresentador Netinho de Paula, por exemplo, negocia um seriado juvenil com a Rede
TV! por R$ 120 mil o episódio.
Outro caso de "superfaturamento" mostrado pela Booz Allen
é o de "debate em estúdio" (o documento não especifica o nome
do programa). Uma hora desse tipo de programa na Cultura sai
por R$ 25,4 mil, contra R$ 4.800
na concorrência. O problema, segundo a TV Cultura, é que esse
valor de R$ 4.800/hora é irreal.
O relatório da Booz Allen traz
contradições. Provavelmente por
erro de digitação, dá preços diferentes a programas do mesmo gênero. É o caso dos documentários,
que "saem" por R$ 76 mil ou R$
7.600 na concorrência.
Contestação
Jorge da Cunha Lima, presidente executivo da Fundação Padre
Anchieta desde 1995, com o terceiro mandato vencendo neste sábado, contesta os argumentos e os
dados apresentados por Julieda
Pereira Paes.
Diz que a conclusão de que os
programas da Cultura custam na
média 113% a mais do que na concorrência "não tem o menor fundamento". "Poderiam pôr no relatório 113%, como 200% ou
300%", ironiza.
Segundo Lima, a Booz Allen não
lhe apresentou as fontes dos
"benchmarks", em quais emissoras os programas têm os custos
apresentados. "Acho que eles [da
Booz Allen] foram conversar com
gente da TV paga", diz, se referindo ao baixo padrão de custos dos
programas usados como comparativos aos da Cultura.
Procurada pela Folha, a Booz
Allen não quis se pronunciar sobre o relatório feito à Cultura, dizendo se tratar de um documento
confidencial.
O dossiê de Julieda Pereira Paes
traz ainda informações que questionam a transparência da contabilidade da fundação.
"Pautando-se pela máxima
transparência nos registros contábeis, foi feito [na gestão dela]
um ajuste de R$ 51 milhões no
exercício de 2003, explicitando-se
passivos até então ignorados. Essa
medida levou a um prejuízo de R$
50 milhões no exercício."
Em outras palavras, ocorreu o
seguinte: no balanço de 2003, foram lançadas provisões de despesas futuras, como o pagamento de
sentenças trabalhistas (R$ 28 milhões). Até então, essas estimativas não eram contabilizadas, mas
apenas citadas em notas técnicas
nos balanços.
Texto Anterior: Literatura: Arnaldo Antunes lê em SP poesias sobre animais Próximo Texto: Outro lado: "Não somos somente números", diz presidente da Padre Anchieta Índice
|