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TRÉPLICA
MinC dá alternativa ao domínio restrito
RONALDO LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em artigo publicado nesta
Ilustrada em 5 de junho, o
compositor Livio Tragtenberg
chama a política de apoio do
MinC às formas inovadoras de
uso do direito autoral de "desconversa". Na opinião dele, o MinC
faria melhor se concentrasse sua
força política para promover uma
reforma agrária sobre o "latifúndios das telecomunicações".
O texto se baseia em um duplo
desconhecimento. O primeiro é
quanto ao debate relativo à convergência de mídias e à importância que a propriedade intelectual
desempenha nesse âmbito. O segundo é quanto à própria política
de cultura digital do MinC, cujo
apoio às formas inovadoras de direito autoral é só um dos elementos de um amplo projeto.
Quanto ao primeiro ponto, Livio defende que o MinC deveria se
preocupar com "a quebra dos
monopólios dos meios de comunicação". Tal questão fez muito
sentido nas décadas de 70 e 80.
Com o advento da TV digital, das
rádios por IP, dos programas de
compartilhamento de arquivos,
dos jogos multijogadores e, sobretudo, das redes "wireless", em
que celulares irão transmitir conteúdo audiovisual nos próximos
dois anos, não faz mais.
Fomentar a ampla circulação da
cultura passa a ser não mais um
problema ligado à infra-estrutura
das redes de comunicação, mas à
propriedade intelectual sobre os
componentes desse sistema. O
primeiro componente é o software que controla como e o que pode ser transmitido (a TV digital
nada mais é do que um computador com software para exibir imagens). O segundo componente é o
conteúdo, que pela lei nasce com
vedação de uso para quaisquer
fins. Quem quiser circular conteúdo legalmente precisa ter autorização do autor, o que na maioria
absoluta das vezes -principalmente no caso de produções independentes- não é fácil.
O que a política proposta pelo
MinC fomenta é uma alternativa a
isso, situação perversa na qual
tantos criadores saem prejudicados e o domínio público é cada
vez mais restrito e tende a desaparecer. Instrumentos para autores
e criadores que querem que seu
trabalho ganhe espaço e circulação legalizada na rede. Instrumentos como o Creative Commons (www.creativecommons.
org), pronto para uso. Enquanto a
rede se transforma em commodity, seus componentes, sejam
software ou conteúdo, transformam-se em mercadorias monopolizadas, de modo centralizado
ou descentralizado. Esses são os
monopólios a serem combatidos.
O segundo ponto ignorado pelo
compositor é que o fomento do
MinC a uma iniciativa como o
Creative Commons se conjuga
com outros projetos. O ciclo começa com a implementação de
centros culturais em áreas de baixos Índices de Desenvolvimento
Humano, que irão produzir cultura livre; depois, com a criação
de espaços digitais de preservação
e disseminação do patrimônio
cultural brasileiro e da cultura licenciada por esses novos modelos
em tempo real; por fim, chega ao
fomento das rádios comunitárias
e dos telecentros, que irão produzir e distribuir a cultura brasileira
de forma democrática. Com isso
fecha-se o ciclo de criação, permissão, preservação e acesso.
Por fim, apontamos com satisfação o fato de Tragtenberg ser
entusiasta dos modelos propostos, apesar das objeções que faz.
Como ele mesmo diz, "é louvável que se comece a dar uma face
mais normatizada aos novos mecanismos de distribuição da cultura, que encontra na internet seu
espaço mais amigável para experimentação". Esperamos a oportunidade de acessarmos (e samplearmos) seu trabalho pela rede,
com licença Creative Commons.
Ronaldo Lemos é mestre em direito pela Universidade Harvard e diretor do
Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV
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