São Paulo, quarta-feira, 09 de junho de 2004

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TRÉPLICA

MinC dá alternativa ao domínio restrito

RONALDO LEMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em artigo publicado nesta Ilustrada em 5 de junho, o compositor Livio Tragtenberg chama a política de apoio do MinC às formas inovadoras de uso do direito autoral de "desconversa". Na opinião dele, o MinC faria melhor se concentrasse sua força política para promover uma reforma agrária sobre o "latifúndios das telecomunicações".
O texto se baseia em um duplo desconhecimento. O primeiro é quanto ao debate relativo à convergência de mídias e à importância que a propriedade intelectual desempenha nesse âmbito. O segundo é quanto à própria política de cultura digital do MinC, cujo apoio às formas inovadoras de direito autoral é só um dos elementos de um amplo projeto.
Quanto ao primeiro ponto, Livio defende que o MinC deveria se preocupar com "a quebra dos monopólios dos meios de comunicação". Tal questão fez muito sentido nas décadas de 70 e 80. Com o advento da TV digital, das rádios por IP, dos programas de compartilhamento de arquivos, dos jogos multijogadores e, sobretudo, das redes "wireless", em que celulares irão transmitir conteúdo audiovisual nos próximos dois anos, não faz mais.
Fomentar a ampla circulação da cultura passa a ser não mais um problema ligado à infra-estrutura das redes de comunicação, mas à propriedade intelectual sobre os componentes desse sistema. O primeiro componente é o software que controla como e o que pode ser transmitido (a TV digital nada mais é do que um computador com software para exibir imagens). O segundo componente é o conteúdo, que pela lei nasce com vedação de uso para quaisquer fins. Quem quiser circular conteúdo legalmente precisa ter autorização do autor, o que na maioria absoluta das vezes -principalmente no caso de produções independentes- não é fácil.
O que a política proposta pelo MinC fomenta é uma alternativa a isso, situação perversa na qual tantos criadores saem prejudicados e o domínio público é cada vez mais restrito e tende a desaparecer. Instrumentos para autores e criadores que querem que seu trabalho ganhe espaço e circulação legalizada na rede. Instrumentos como o Creative Commons (www.creativecommons. org), pronto para uso. Enquanto a rede se transforma em commodity, seus componentes, sejam software ou conteúdo, transformam-se em mercadorias monopolizadas, de modo centralizado ou descentralizado. Esses são os monopólios a serem combatidos.
O segundo ponto ignorado pelo compositor é que o fomento do MinC a uma iniciativa como o Creative Commons se conjuga com outros projetos. O ciclo começa com a implementação de centros culturais em áreas de baixos Índices de Desenvolvimento Humano, que irão produzir cultura livre; depois, com a criação de espaços digitais de preservação e disseminação do patrimônio cultural brasileiro e da cultura licenciada por esses novos modelos em tempo real; por fim, chega ao fomento das rádios comunitárias e dos telecentros, que irão produzir e distribuir a cultura brasileira de forma democrática. Com isso fecha-se o ciclo de criação, permissão, preservação e acesso.
Por fim, apontamos com satisfação o fato de Tragtenberg ser entusiasta dos modelos propostos, apesar das objeções que faz.
Como ele mesmo diz, "é louvável que se comece a dar uma face mais normatizada aos novos mecanismos de distribuição da cultura, que encontra na internet seu espaço mais amigável para experimentação". Esperamos a oportunidade de acessarmos (e samplearmos) seu trabalho pela rede, com licença Creative Commons.


Ronaldo Lemos é mestre em direito pela Universidade Harvard e diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV


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