São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2005

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ROMANCE/"TERRORISTAS DO MILÊNIO"

Ballard contesta a revolução com rebelião sem utopia

SANTIAGO NAZARIAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

O novo romance de J. G. Ballard é uma obra perigosa. Seu teor subversivo é uma ameaça à ordem estabelecida. Publicado aqui no Brasil, pode fazer a classe média começar a ter "idéias". Devemos a todo custo impedir que este livro chegue às mãos dos cidadãos pensantes.
Esse é um parecer que poderia ter sido dado pelos órgãos de censura da ditadura militar se "Terroristas do Milênio" tivesse sido publicado nos anos 70. Mas apesar de beber muito da fonte de manifestações políticas mundiais daquela época, essa é uma obra que só poderia ser concebida nesse novo milênio, como o próprio título explicita.
"O Apocalipse Acolchoado", título de um dos capítulos, seria uma alternativa mais apetitosa do que "Terroristas do Milênio", e talvez mais representativa. Afinal, o livro focaliza uma classe média entediada, que decide se revoltar contra seu cotidiano queimando locadoras de vídeo, explodindo museus e fugindo às regras de bom convívio social. Nessa revolução pós-marxista, não há utopia. Os cidadãos procuram destruir aquilo que lhes garante comodidade, ou comodismo. Procuram destruir aquilo que eles têm medo de perder.
É uma revolução contraditória, pois visa resgatar exatamente os motivos para haver uma revolução. Como diz uma personagem do romance: "Felicidade? Gosto da idéia, mas não me parece que o esforço valha a pena. Além do mais, não é intelectualmente respeitável".
Nesse confronto está David Markham, protagonista do livro, um psicólogo que é atraído pela possibilidade de transgressão e violência, como um sujeito em crise de meia-idade que quer resgatar sua adolescência. A determinação dos rebeldes ao mesmo tempo o fascina e assusta e ele não sabe ao certo qual papel representa nesse levante. Coloca-se em xeque com seu próprio comodismo, sua passividade, suas ambições pequeno-burguesas. Questiona os métodos da rebelião mas também é seduzido por seus ideais. E, como em obras anteriores de Ballard, a contestação política também se dá pela perversão sexual.
Mas o leitor não deve se intimidar. Apesar do tema político, o tom de "Terroristas do Milênio" não é idealista nem panfletário, muito pelo contrário. Ballard parece querer dizer exatamente que as revoluções não são mais possíveis, que não há pelo que lutar, e faz isso de maneira irônica, satírica, algumas vezes absurda, muitas vezes politicamente incorreta.
E de revolução o autor entende. Nasceu na China, em 1930, filho de pais ingleses. Passou parte da infância num campo de concentração japonês, depois do ataque em Pearl Harbor . O filme "Império do Sol", dirigido por Spielberg, foi baseado em seu livro homônimo, que tem grande componente autobiográfico.
Todo esse panorama faz de "Terroristas do Milênio" um livro interessantíssimo, vivo, vibrante. Definitivamente uma obra do século 21. Ao menos para aqueles países e pessoas que já chegaram lá e têm distanciamento suficiente das utopias para rir delas, de seus heróis e de seus carrascos.


Santiago Nazarian é escritor, autor dos livros "Olívio" (ed. Talento), "Feriado de Mim Mesmo" (ed. Planeta), "Parati Para Mim" (ed. Planeta) e "A Morte sem Nome" (ed. Planeta)
Terroristas do Milênio
    
Autor: J. G. Ballard
Tradução: Celso Nogueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 44 (328 págs.)


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