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ROMANCE/"TERRORISTAS DO MILÊNIO"
Ballard contesta a revolução com rebelião sem utopia
SANTIAGO NAZARIAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
O novo romance de J. G. Ballard é uma obra perigosa.
Seu teor subversivo é uma ameaça
à ordem estabelecida. Publicado
aqui no Brasil, pode fazer a classe
média começar a ter "idéias". Devemos a todo custo impedir que
este livro chegue às mãos dos cidadãos pensantes.
Esse é um parecer que poderia
ter sido dado pelos órgãos de censura da ditadura militar se "Terroristas do Milênio" tivesse sido
publicado nos anos 70. Mas apesar de beber muito da fonte de
manifestações políticas mundiais
daquela época, essa é uma obra
que só poderia ser concebida nesse novo milênio, como o próprio
título explicita.
"O Apocalipse Acolchoado", título de um dos capítulos, seria
uma alternativa mais apetitosa do
que "Terroristas do Milênio", e
talvez mais representativa. Afinal,
o livro focaliza uma classe média
entediada, que decide se revoltar
contra seu cotidiano queimando
locadoras de vídeo, explodindo
museus e fugindo às regras de
bom convívio social. Nessa revolução pós-marxista, não há utopia. Os cidadãos procuram destruir aquilo que lhes garante comodidade, ou comodismo. Procuram destruir aquilo que eles
têm medo de perder.
É uma revolução contraditória,
pois visa resgatar exatamente os
motivos para haver uma revolução. Como diz uma personagem
do romance: "Felicidade? Gosto
da idéia, mas não me parece que o
esforço valha a pena. Além do
mais, não é intelectualmente respeitável".
Nesse confronto está David
Markham, protagonista do livro,
um psicólogo que é atraído pela
possibilidade de transgressão e
violência, como um sujeito em
crise de meia-idade que quer resgatar sua adolescência. A determinação dos rebeldes ao mesmo
tempo o fascina e assusta e ele não
sabe ao certo qual papel representa nesse levante. Coloca-se em xeque com seu próprio comodismo,
sua passividade, suas ambições
pequeno-burguesas. Questiona
os métodos da rebelião mas também é seduzido por seus ideais. E,
como em obras anteriores de Ballard, a contestação política também se dá pela perversão sexual.
Mas o leitor não deve se intimidar. Apesar do tema político, o
tom de "Terroristas do Milênio"
não é idealista nem panfletário,
muito pelo contrário. Ballard parece querer dizer exatamente que
as revoluções não são mais possíveis, que não há pelo que lutar, e
faz isso de maneira irônica, satírica, algumas vezes absurda, muitas
vezes politicamente incorreta.
E de revolução o autor entende.
Nasceu na China, em 1930, filho
de pais ingleses. Passou parte da
infância num campo de concentração japonês, depois do ataque
em Pearl Harbor . O filme "Império do Sol", dirigido por Spielberg,
foi baseado em seu livro homônimo, que tem grande componente
autobiográfico.
Todo esse panorama faz de
"Terroristas do Milênio" um livro
interessantíssimo, vivo, vibrante.
Definitivamente uma obra do século 21. Ao menos para aqueles
países e pessoas que já chegaram
lá e têm distanciamento suficiente
das utopias para rir delas, de seus
heróis e de seus carrascos.
Santiago Nazarian é escritor, autor dos
livros "Olívio" (ed. Talento), "Feriado de
Mim Mesmo" (ed. Planeta), "Parati Para
Mim" (ed. Planeta) e "A Morte sem Nome" (ed. Planeta)
Terroristas do Milênio
Autor: J. G. Ballard
Tradução: Celso Nogueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 44 (328 págs.)
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