São Paulo, sexta-feira, 09 de junho de 2006

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Para crítico, João está mais perto de Cabral e de Machado

DA SUCURSAL DO RIO

Em termos estilísticos, o crítico literário Silviano Santiago não aproxima João de outro João inventor.
"Guimarães Rosa é a esbórnia na linguagem. Talvez seja instrutivo aproximar João de Machado de Assis tal qual lido por Mário de Andrade: "Machado de Assis, em vez, era ainda o homem que compunha com 70 palavras. Era aquele instrumento mesmo de 70 palavras, manejado pelos velhos clássicos, que ele adotava e erguia ao máximo da sua possibilidade acadêmica de expressão culta da idéia", cita Santiago.
"Tanto na escolha de repertório quanto na interpretação vocal, João pertenceria à estética construtivista da literatura brasileira, onde sobressaem Graciliano na prosa, João Cabral e os concretos na poesia", afirma o crítico.
Se, mais do que criador de uma batida, João Gilberto é inventor de uma estética, supõe-se que ele influencie outras artes. Investigar essas relações é outro desafio do Centro de Estudos João Gilberto.
O artista plástico Luciano Figueiredo, criador do logotipo do centro, já fez trabalhos inspirados em João e é dos que defendem que sua importância vai além da música.
"A sua obra é inclassificável e derrubou o mito entre arte popular e arte erudita. É inaceitável a idéia de alguns que ainda insistem em rotulá-lo como um intérprete de canções, e não como o criador de uma nova música", diz Figueiredo, para quem "sua arte está em tudo que é moderno".
"Se procuramos os seus pares na arte brasileira, vamos encontrá-lo na mesma constelação em que está a pintura de Volpi, a luz delicadíssima da gravura de Goeldi, em Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Burle Marx, nos neoconcretos, na poesia concreta e no espírito livre como nunca dos artistas contemporâneos", afirma.
Sérgio Sant'Anna escreveu, em 1982, o conto "O Concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro", que "contém todo um depoimento e uma posição estética partindo de João Gilberto", como ele assinala. Inspirado em um show que o cantor não deu no Canecão em 1979, ele faz uma narrativa experimental que, à certa altura, aponta: "JG é um cara que se valoriza pelo silêncio".
No caso do Cinema Novo, na opinião de Cacá Diegues, a relação se dá por admiração ("João foi símbolo de uma modernização da cultura brasileira, um padrão de excelência a que todos aspirávamos") e oposição.
"Enquanto o Cinema Novo filmava o Brasil real, o que nos angustiava e que preferíamos não ver, a bossa nova nos dava a idéia de um Brasil como desejávamos que ele fosse, o Brasil de nossos sonhos, elegante e harmônico, civilizado e capaz de nos enlevar", diz o cineasta, lembrando que o barroco Glauber Rocha foi amigo do minimalista João.


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