São Paulo, terça-feira, 09 de julho de 2002

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"Ronaldo Fenômeno" do piano diz que gênero "não morrerá jamais"

O jazz está vivo

Divulgação
Brad Mehldau em 1997, ano em que explodiu, nas ruas de Nova York; no alto, detalhe de foto recente



Músico norte-americano de 31 anos se apresenta de hoje a sábado no Brasil, pela 1ª vez com seu trio oficial


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

No final dos anos 90, Brad Mehldau rasgou as nuvens jazzísticas como uma espécie de "Ronaldo Fenômeno" do gênero. De onde diabos teria vindo aquele moleque branquelo de braço direito tatuado, com repertório do clássico Brahms ao rock vanguardista Radiohead e uma intimidade com o piano digna de Keith Jarrett?
Em 1997, enquanto Ronaldinho faturava o título de principal jogador do mundo pela Fifa, Mehldau mordia o status de melhor novo artista do ano pela revista "Jazz Times", além da primeira colocação da "bíblia" jazz "Down Beat" na enquete "jovens pianistas".
Felizmente, Brad Mehldau não se contundiu, como o "Fenômeno"; tampouco retraiu com o sucesso. Nos últimos cinco anos ele gravou impressionantes -em mais de um sentido- sete CDs, seis deles acompanhado apenas do baixo de Larry Grenadier e da bateria de Jorge Rossy, os três na casa dos 30 anos.
A partir de hoje, esse trio de artilheiros do jazz entra em campo pela primeira vez no Brasil. Mehldau, que veio ao país em 2000 acompanhando a mulher, Fleurine, cantora holandesa de ouvidos brasileiros, fará cinco concertos com seus escudeiros por aqui.
Convidado para encerrar o festival Diners Club Jazz Nights, amanhã e quinta, no Bourbon Street paulistano, ele também estrela hoje o 33º Festival de Inverno de Campos do Jordão e faz dobradinha de apresentações no Mistura Fina, no Rio.
Grande promessa mundial do jazz, que vive a cada ano novas crônicas de morte anunciada, Mehldau deu entrevista por e-mail para a Folha, na qual se mostrou otimista com seu gênero musical. Leia trechos a seguir. Com vocês, Brad "Fenômeno".

Folha - O baixista Marcus Miller disse recentemente à Folha que o jazz é como o latim, uma língua bonita, mas morta. Você faz músicas com temas como morte, angústia e sofrimento, mas pelo que escreve em seus CDs parece bem otimista com relação ao futuro do jazz, não?
Brad Mehldau -
Sim, sou muito otimista. Músicas, e notadamente o jazz, não morrem jamais. As pessoas é que são mortais. E é nossa mortalidade, não a da música, que me interessa. Escrevo sobre morte porque vejo beleza nela. É só não viver fugindo dela. Quando alguém diz "esta música está morta", essa pessoa está é com medo de sua própria mortalidade. É uma espécie de projeção, deslocamento de um medo.

Folha - Uma das principais correntes do jazz contemporâneo ainda é a dos chamados "Young Lions" (leões jovens), como o trompetista Winton Marsalis, que trazem de volta com muita força o jazz tradicional. O que você pensa deles?
Mehldau -
A questão fundamental para mim é sempre "essa música consegue me comover?". A razão pela qual um grande número de músicos adere à tradição tão cegamente é a pobreza de imaginação ou visão. E assim a música não chega a comover os ouvintes.
Mas da mesma forma, a grande música está sempre em contato com o contexto histórico. O que torna isso tão interessante é o modo como a música interage com sua própria história. É impossível escapar da história inteiramente, mas você pode dar pequenos saltos do chão antes que a gravidade te puxe de volta. Esses pulos, dados por John Coltrane, Charlie Parker ou Beethoven, são a medida da grandeza.

Folha - E qual a sensação de tentar dar esses "saltos" e ser sempre comparado com outros pianistas, como Bill Evans, Keith Jarrett, McCoy Tyner e até com o clássico Glenn Gould? Quão usuais são essas comparações atualmente?
Mehldau -
As comparações ainda são bastante comuns. É da natureza humana fazer comparações, é inevitável. O que é mais interessante no meu caso é como essas comparações, apesar de me deixarem lisonjeado, me parecem muito equivocadas.

Folha - Em uma entrevista recente, o escritor Luis Fernando Verissimo, entusiasta do jazz, disse que ele parou de ouvir jazz quando Miles Davis começou a usar sandálias. Declarou que Brad Mehldau era das poucas coisas novas que ele gostava. "Largo", seu disco mais recente, se aproxima como nunca do Miles "de sandália". Você acha que ele pode gostar desse trabalho?
Mehldau -
Não sei. Ao longo de minha relativamente curta carreira topei com um par de situações em que parte de meu público (se é que se pode falar em um público meu) ficou um pouco contrariada com alguns discos meus. Quando "Elegiac Cycle" foi lançado, alguns críticos disseram: "Ele está trocando o jazz verdadeiro por alguma música clássica híbrida. Que lástima". Eu imagino que a mesma coisa vai acontecer com relação a meu novo CD.

Folha - Até onde você acha que irá o seu flerte com as sonoridades mais pop? "Largo" seria seu limite nesse sentido?
Mehldau -
Esse último disco foi um pouco mais que um flerte, se tomarmos um flerte como algo passageiro e extravagante. Creio que esse CD representa o ápice de uma série de diferentes fontes de inspiração minhas. Não sei para onde isso pode levar agora.


BRAD MEHLDAU TRIO - Quando: hoje, às 17h. Onde: 33º Festival de Inverno de Campos de Jordão - auditório Cláudio Santoro (av. Dr. Luís Arrobas Martins, 1.880, Campos do Jordão, tel. 0/xx/ 12/ 262-2334). Quanto: de R$ 10 a R$ 50. Em São Paulo: amanhã e quinta, às 22h. Onde: Bourbon Street Music Club (r. dos Chanés, 127, tel. 0/xx/11/ 5561-1643). Quanto: de R$ 65 a R$ 120. No Rio, sexta e sábado, às 20h30. Onde: Mistura Fina (av. Borges de Medeiros, 3.207, tel. 0/xx/ 21/2537-2844). Quanto: R$ 58 (antecipado) e R$ 68.


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