São Paulo, terça-feira, 09 de julho de 2002

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MEMÓRIA

Principal poeta popular brasileiro viu suas rimas ganharem o Brasil ao serem musicadas por Luiz Gonzaga

Patativa do Assaré morre no Ceará, aos 93

Eduardo Knapp - 16.dez.98/Folha Imagem
O poeta popular Patativa do Assaré, que morreu ontem, no Ceará


KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA

Patativa do Assaré -nascido Antonio Gonçalves da Silva-, um dos maiores poetas populares do Brasil, morreu em sua casa, em Assaré, interior do Ceará, ontem, aos 93 anos.
Ele teve falência múltipla dos órgãos após ter contraído uma pneumonia dupla, além de uma infecção na vesícula e de problemas renais.
Seu enterro está marcado para hoje, às 17h, no cemitério São João Batista, na sua cidade natal.
Neste ano, Patativa já havia sido internado três vezes por causa da vesícula e por problemas pulmonares. Ainda assim, o poeta não deixava o hábito de fumar dois maços de cigarros por dia, nem mesmo no hospital.
Nascido em 5 de março de 1909, Patativa perdeu um olho aos quatro anos de idade e, aos oito, ficou órfão do pai. Ele estudou apenas durante quatro meses.
A improvisação de rimas de cordel começou aos 17 anos, quando ele passou a se apresentar em festas fazendo versos.
Casou-se em 1936 com dona Belinha, com quem viveu 56 anos e teve nove filhos, sete ainda vivos.
O primeiro livro, de 1956, foi "Inspiração Nordestina". Oito anos mais tarde, Luiz Gonzaga, ao ver Patativa recitar o poema "A Triste Partida", decidiu musicá-lo e tornou o poeta conhecido nacionalmente.
Versos como "Agora pensando segui ôtra tria, / Chamando a famia / Começa a dizê: / Eu vendo o meu burro, meu jegue e o cavalo, / Nós vamo a Sã Palo / vivê ou morrê" foram imortalizados na voz de Gonzagão.
A principal temática dos versos de Patativa era a seca, problema da terra onde vivia, mas ele não deixava de fazer poesias bem humoradas, contando histórias pitorescas da vida sertaneja.
Até mesmo pouco antes de morrer, nos momentos de lucidez, Patativa fazia versos a quem o visitava em sua casa, no centro da pequena Assaré, na região sul do Ceará, de onde nunca se mudou.
Além de poeta, Patativa do Assaré era lavrador e aproveitava os momentos em que estava trabalhando na terra para criar versos.
A política também foi tema da obra e da vida de Patativa. Durante o regime militar, ele condenava os militares e chegou a ser perseguido. Em 1984, participou das "Diretas-Já".

Diretas
Em um de seus poemas, "Inleição Direta 84", ele fala do período usando versos como "Bom camponês e operaro / A vida tá de amargá / O nosso estado precaro / Não há quem possa aguentá / Neste espaço dos vinte ano / Que a gente entrou pelo cano / a confusão tá compreta / Mode a coisa miorá / Nós vamo bradá e gritá / Pela inleição direta".
No Ceará, sempre apoiou o governo de Tasso Jereissati (PSDB), a quem chamava de amigo.
Tasso, por diversas vezes, participou da festa de aniversário de Patativa, o maior evento social de Assaré todos os anos.
Neste ano, Patativa não participou de sua festa. Quase sem audição e cego -ele ficou cego no final dos anos 90 e passou a andar com dificuldades por ter sofrido um acidente-, o poeta não saia mais de casa e já não estava mais recebendo visitas.
Desde o sábado, quando a saúde do poeta piorou muito, seus filhos estavam na casa dele.
Os médicos não quiseram transferi-lo para o hospital por considerem desnecessário. Ele apenas respirava com a ajuda de um balão de oxigênio.



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