São Paulo, sábado, 09 de julho de 2005

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3ª FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATI

Autor de "Baía dos Tigres" comenta conflitos na África, critica demagogia terceiro-mundista e fala sobre idéia de morar no Brasil

Pedro Rosa Mendes esquiva-se do óbvio

Tuca Vieira/Folha Imagem
O escritor português Pedro Rosa Mendes, que participa da Flip


LUIZ FERNANDO VIANNA
ENVIADO ESPECIAL A PARATI

O português Pedro Rosa Mendes, que fala hoje na Flip, é um jornalista e escritor que escapa das obviedades. Para escrever "Baía dos Tigres", seu livro mais famoso, passou quatro meses percorrendo por terra (caronas em caminhões e longas caminhadas) o continente africano destruído por guerras e misérias.
Quando convidado a assinar, no Festival de Edimburgo do ano passado, uma petição em favor do perdão das dívidas dos países africanos, recusou-se. "Não assinei porque é demagogia", diz. "Moçambique fez algo para merecer esse perdão, mas boa parte dos outros países está na situação em que está por uma combinação sinistra da voracidade de grandes instituições internacionais como o FMI e o Banco Mundial com a voracidade das elites que governam esses países. Eu me pergunto se o perdão não vai dar ainda mais margem de ação para oligarquias corruptas que são responsáveis pelas misérias de seus povos."
Mendes, 37, chegou a Parati depois de mais uma viagem à África: foi fazer uma reportagem sobre a situação política da Costa do Marfim. "Está havendo uma etnização do conflito, e o desastre está para explodir", prevê. O livro que está escrevendo trata da história recente de países da África Ocidental, como Serra Leoa e Libéria, e também de suas conexões com o terrorismo internacional.
"Boa parte do crescimento da Al Qaeda foi possível graças, entre outros financiamentos, aos diamantes de Serra Leoa. E isto era do conhecimento dos serviços secretos das grandes potências", conta ele, que elege dois grandes culpados para o fato de a África estar tão miserável e atrelada ao terrorismo: Muammar Gaddafi, ditador da Líbia, e Charles Taylor, ex-presidente da Libéria.
O escritor também vê com olhos críticos movimentos como o Fórum Mundial de Porto Alegre. "Começa a se criar uma demagogia terceiro-mundista que escapa à realidade. Não podemos esquecer que há países do [hemisfério] Sul que têm dimensão para criar sua própria periferia, seu espaço de interferência capitalista, selvagem e neocolonial, como o Brasil e a Índia", ressalta.
Mendes vê uma ação colonialista brasileira especialmente em relação a Angola, país sobre o qual já escreveu várias reportagens. Por uma delas responde a um processo movido pelo presidente do país, José Eduardo dos Santos, a quem classificou no texto como corrupto. Mas a observação não apaga um grande amor pelo Brasil, amor que, como tudo no escritor, resiste a clichês. "Esse Brasil de exportação, carioca/TV Globo, da bossa nova, é irritante. O país me interessa muito porque existem vários Brasis, várias linguagens", diz ele, que contou adorar São Paulo. "A cidade é um resumo do mundo. É feia e fascinante. Amo especialmente o bairro da Liberdade, porque não há nada mais paradoxal do que esse tropicalismo nipônico", afirma.
Um de seus planos é viver um período no Brasil para escrever um livro meio ficção/meio realidade. "A narrativa hiper-realista costuma ser mais verdadeira do que uma reportagem", diz ele. O lugar onde poderá se passar esse romance? "Gostaria de escrever sobre o Acre", cogita.


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