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RODAPÉ
Belém-Manaus: poesia e prosa ao norte
FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
COLUNISTA DA FOLHA
Passando ao largo dos regionalismos nordestino e sulista,
ao largo das dobradinhas e rixas
do eixo Rio-São Paulo, a desmesurada paisagem amazônica ainda segue em busca de uma cidadania literária à altura do papel
mítico que a floresta e o rio desempenham no imaginário contemporâneo, brasileiro e planetário. Para além do interesse antropológico pelo mosaico de narrativas e lendas que acompanham a
vida das populações ribeirinhas
-os "tricksters", botos e cobras-grandes em profusão, regidos pelo pêndulo das cheias e das vazantes-, os nomes do Norte chegam
esparsos, insulares, em meio à enxurrada dos relatos de viajantes.
O Brasil e sua literatura ainda
não fizeram plena justiça ao pulmão do mundo: se os alemães se
reconhecem na Floresta Negra,
lugar da paisagem onde inscrevem suas cicatrizes (vejam-se as
telas de Anselm Kiefer, por exemplo, em que os grandes nomes do
romantismo alemão, pintados em
vermelho, ocupam o lugar das folhas das árvores seculares, manchados pela violência sangrenta
do nacional-socialismo), o mesmo ainda não vale para o nosso
inferno verde.
Os grandes centros herdeiros do
fausto perdido da borracha, as cidades de Belém e Manaus, gravitam em torno do próprio eixo. A
reedição recente da crítica do
piauiense de berço, mas belenense de formação, Mário Faustino,
dão pistas do jornalismo cultural
respeitável que o suplemento da
"Folha do Norte" sustentava nas
décadas do pós-guerra. Contribuíam nomes de expressão nacional, como Clarice Lispector ou
Drummond, e abriam espaço a
críticos como o paraense Benedito Nunes, que logo alcançariam
prestígio nacional.
O volume recém-publicado,
"Mário Faustino - Uma Biografia", de Lília Silvestre Chaves (Secretaria de Cultura do Pará), recompõe minuciosamente a dinâmica própria que o mundo da cultura alçava nos casarões de Belém,
de altíssimos pés direitos. Hoje,
quase ignorados para além do
âmbito local, destacam-se os poetas Age de Carvalho, no exílio suíço voluntário, e Max Martins, cujos "Poemas Reunidos: 1952-2001" (Ed. UFPA) permanecem
escondidos pela sofrível distribuição de editoras universitárias.
O sul tem Simões Lopes Neto e
Érico Veríssimo; o Nordeste, Graciliano Ramos, Jorge Amado e José Lins do Rego, mas se um viajante incerto buscar uma obra que
lhe apresente a Amazônia, a quem
deveria ser apresentado? A prosa
intimista, densa em conflitos familiares, trazendo as marcas da
história recente de Manaus nas
consciências divididas dos "Dois
Irmãos", de Milton Hatoum
(Companhia das Letras), certamente inclui uma busca pelo sentido formador daquele espaço.
Também do corte satírico dos folhetins de Márcio Souza, como
"Galvez, Imperador do Acre"
(Record) ou "A Resistível Ascensão de Boto Tucuxi" (Marco Zero), se aprende sobre a invasão
predatória dos oportunistas e
aproveitadores saqueando seu
quinhão dos recursos abundantes.
Mas a vocação para a saga, recompondo as trajetórias individuais pelo traçado intrincado das
veias aquáticas que conferem ao
tempo e às distâncias um significado amazônico próprio, talvez
esteja melhor representada na
obra prolífica de um romancista
mais falado do que lido, Dalcídio
Jurandir (1909-1979), que em nove volumes acompanha o percurso que leva o ribeirinho Alfredo à
cidade grande, no caso Belém, e
apanha esse misto de elegância
orgulhosa na decadência e auto-suficiência agônica que caracteriza o espírito local. Da vida em Marajó, registrada em "Chove sobre
os Campos de Cachoeira" (1941),
passando pelo mapeamento da
hierarquia dos espaços e tipos urbanos em "Belém do Grão Pará"
(1960), até a volta sob nova perspectiva, ingenuidade desfeita, à
paisagem marajoara -"Ponte do
Galo" (1971), por exemplo-, descrição panorâmica e romance de
formação casam-se à perfeição,
substituindo a abstração da Amazônia legal por um retrato encarnado de uma região ainda desconhecida.
Fábio de Souza Andrade escreve quinzenalmente neste espaço
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